Título Original: 女神記 (RR: Joshinki)
Título Inglês: The Goddess Chronicle
Autor: Natsuo Kirino
País de Origem: Japão
Publicação: 2008 (Japonês) 2012 (Inglês) 2014 (Brasil)
Gênero: Mitologia, Fantasia, Romance
Páginas: 288
Editora: Rocco (Brasil)
Sinopse: Nesta releitura de um conto milenar, a aclamada escritora de romances policiais Natsuo Kirino, ganhadora dos mais importantes prêmios do gênero, deixa de lado suas tramas urbanas para recriar um antigo capítulo da mitologia japonesa: a lenda das irmãs Izanagi e Izanami. Ambientada em uma ilha mística em forma de gota de lágrima, O conto da deusa é uma trágica história de amor e vingança, que reconta o mito da criação do Japão, com a marca inconfundível da autora. (Via Skoob)
Oi, povo lindo!
Olha, até que eu estou voltando ao meu ritmo natural de leitura (eu ouvi um amém?), terminei o livro consideravelmente rápido tendo em vista a minha procrastinação com a meta desse ano. Eu me interessei a ler O Conto da Deusa por duas razões básicas: primeiro porque é um livro japonês, segundo por causa dessa capa linda. A Rocco sabe capturar alguém pela capa, tenho que admitir. Na sinopse eu marquei de vermelho o "lenda das irmãs" é que na verdade o livro é construído sobre a lenda da criação do Japão, mas Izanaki e Izanami não são irmãs, eles na verdade são um casal responsáveis pela fidelidade conjugal e incumbidos, na lenda, de criar o Japão. Achei importante ratificar isso, a pessoa que fez essa sinopse deve ter baseado-se na história contada pela autora que é uma construção aquém do mito. Eu vou deixar esse mito pra vocês no final da resenha porque achei ele muito interessante, ta bom? Mas vamos começar pelo enredo.
Namima e Kumikuu são duas irmãs que vivem numa ilha ao sul do Japão medieval, Namima é muito apegada à sua irmã que lhe devota amor e companheirismo, pelo menos até seu aniversário de seis anos quando sua avó Mikura, chama-a de "impura" e diz que a partir daquele momento ela não pode mais tocar em nada de Kumikuu e nem mesmo dirigir-lhe a palavra. Confusa, Namima não entende o que está acontecendo até que sua mãe lhe explica as rígidas leis que regem Umihebi, a ilha onde ela mora. Kumikuu, a irmã mais velha, é yang protetora do sol, enquanto Nimima é yin a impura.
Quando Mikura leva Namima para reclusão para prepará-la para assumir seu lugar, é dever de Namima, a impura, levar-lhe a melhor comida todos os dias e jogar fora aquilo que a irmã não come uma vez que ela é a impura não pode tocar em nada que Kumikuu toque. A tarefa desgasta a menina porque sua ilha é muito pobre e pessoas morrem de fome enquanto ela tem que jogar fora todos os dias uma comida de alta qualidade e muito rara. Kumikuu dá uma escapadela para falar com a irmã e além de expressar sua tristeza pelo destino de Namima, confidencia também seu amor proibido por Mahito, cuja família - considerada amaldiçoada - é exilada pelos moradores e ele não pode sequer juntar-se aos homens para pescar.
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Uma das capas japonesas do livro :o |
Namima também é apaixonada por Mahito e quando o encontra furtivamente numa noite em que está indo jogar fora os restos deixados por sua irmã, não consegue negar-lhe a comida que ele lhe pede. Sua mãe está grávida e muito fraca porque ninguém consegue comida suficiente em sua família, que é responsável por oferecer as sacerdotisas auxiliares, como ela não dava a luz a uma menina ha muito tempo consideraram a família amaldiçoada e os exilaram. Ninguém na ilha podia ajudá-los ou mesmo dirigir-lhe a palavra. Com a esperança que dessa vez ela desse a luz a uma menina, Namima aceita ajudá-lo dando-lhe a comida que Kumikuu deixou, mas quando a mulher dá a luz é outro menino.
Atordoado, Mahito incita Namima a comer com ele a comida da sacerdotisa toda noite e, no envolvimento dos dois, eles acabam se entregando ao amor. Namima se preocupa porque infringiu todas as leis supremas da ilha: comeu da comida do oráculo sendo uma impura e teve relações com um homem amaldiçoado, se alguém descobrisse ela seria condenada a morte. Quando Mikura morre deixando para Kumikuu a incumbência da sacerdotisa da ilha, Namima acaba descobrindo seu sombrio destino como sacerdotisa das trevas, ela seria afastada de todos os moradores e confinada a uma cabana no cemitério onde passaria a vida cuidando dos mortos e guiando suas almas para a outra vida.
Assustada, principalmente por saber que estava grávida de Mahito (e a sacerdotisa das trevas tinha de ser virgem) ela implora para que não fizessem isso com ela, mas ninguém, nem mesmo sua família, mostra-lhe qualquer clemência. Não apenas cumprir seu papel com os mortos, mas em virtude da morte de Kumikuu ela também deveria morrer ainda que estivesse bem de saúde. Desesperada, Namima aceita fugir com Mahito para salvar a vida de sua criança e eles ficam por meses a deriva no mar em direção a Yamato, a ilha maior, onde recomeçariam suas vidas. Ela dá a luz a uma menina dentro do barco, mas é surpreendida pelas mãos do marido estrangulando-a e desperta no mundo dos mortos para servir a Izanami, a deusa dos mortos.
A partir daí segue-se um entrelaçar da vida de Namima com a vida da deusa e Izanaki, o deus que a condenou a permanecer no submundo pela eternidade e tirar, todos os dias, mil vidas. Namima se identifica com essa deusa cheia de ódio e amargura, atormentada para descobrir como está sua filha e a razão de Mahito tê-la matado, ela desafiará perigos de uma volta breve ao mundo dos vivos que vai mudar tudo que ela acreditava para sempre. As vidas de Izanaki, Namima e sua filha entrelaçar-se-ão de uma maneira que nem mesmo nós vamos acreditar.
Eu achei o livro muito bom, ele intercala a narração na primeira pessoa, por Namima, e terceira pessoa contando uma passagem de Izanaki como o "mortal" Yukinahiko. Há descrições e, a melhor parte, muito sobre as lendas e costumes do Japão medieval, gente é fascinante. Foi uma experiência única ler uma literatura realmente japonesa, eu tinha tentado ler A Imperatriz do chinês Da Chen, mas não rolou simplesmente, fiquei um pouco traumatizada, vou tentar voltar depois, mas a Natsuo certamente entrou na lista de autores que eu vou querer ler de novo. Em alguns momentos as descrições podem estranhar a nós ocidentais por não fazer parte do nosso cultural monoteísta, eu mesma fiz algumas pesquisas para conseguir entender o que se passava. O final do livro é agridoce, há umas coisas que não explicou direito (ou fui eu que deixei passar algum detalhe, não sei), mas no geral é muito bom! 4 estrelinhas de 5.
A Lenda de Izanami e Izanaki
O texto a seguir foi retirado do blog Caçadores de Lendas do Japão, o link ficará no final do post.
Dentro da mitologia japonesa, os deuses Izanagi e Izanami foram os encarregados pelos “Deuses Primordiais” de formar uma série de ilhas que converteriam no que hoje é o Japão. Posterior à “Kuniumi” (criação do país), seriam então criadas pelos deuses as “Ilhas”. Para ajudá-los em sua divina tarefa, foi entregue ao casal a “Ame-no-nuboko” (Sagrada Lança) que era toda cravejada de pedras preciosas.
Izanagi e Izanami estavam a postos na ponte flutuante do céu e, com a lança sagrada em punho, agitaram o oceano. Quando eles levantaram a lança, as gotas que caíram de volta a água coagularam e formaram a primeira terra firme, uma ilha chamada Onogoro-shima “Espontaneamente Coagulada”. Logo após a formação desta ilha, ambos os deuses desceram do céu, edificando de maneira espontânea um augusto altar chamado “Yashidono”; uma augusta coluna celeste chamada “Ama-no-me-hashira” e, ao redor desta, uma augusta sala de oito braças. Após estes atos, deram então início a uma intima conversa:
Izanagi: — De que forma teu corpo tem se formado?
Izanami: — Meu corpo está completamente formado, mas há uma parte que não tem crescido e está fechada.
Izanagi: — Meu corpo igualmente está totalmente formado, mas tem uma parte que tem crescido demasiadamente. Assim, penso que se introduzir “aí” a parte de meu corpo que tem crescido demasiadamente, procriaremos as Ilhas. O que acha?
Izanami aceitou a proposta de Izanagi e este fez outra proposta, para que ambos girassem ao redor da augusta coluna “Ama-no-me-hashira”. Izanami giraria para a direita e Izanagi para a esquerda. Então, ao se encontrarem realizariam a procriação. No entanto, depois de ter-se encontrado no pilar, Izanami foi a primeira a falar.
Izanami: — Oh, em verdade, és um jovem formoso e amável!
Depois Izanagi: — Oh, que jovem mais formosa e amável!
No entanto, Izanagi repreendeu Izanami dizendo: — Não é correto que seja a mulher quem fale primeiro!
Apesar disso, ambos consumaram o ato da procriação, sendo que mais tarde, de maneira repentina, engendraram um filho chamado Hiruko “Menino sanguessuga”. Este foi posto em uma barca de juncos, sendo arrastado pela corrente. Depois deram nascimento a Ahashima “Ilha de Espuma”. Porém, por sua estranheza, tanto Hiruko como Ahashima não foram considerados filhos legítimos de Izanagi e Izanami.
Mais tarde, Izanagi e Izanami conversaram a respeito do problema de ter engendrado filhos imperfeitos e decidiram ir a “Takamagahara” (Planície dos Céus Elevados) para consultar os Deuses Primordiais. Os deuses, mediante a adivinhação, responderam-lhes que a razão do problema era porque a mulher tinha falado primeiro (Na cultura dos antigos japoneses, a mulher só falava depois do homem e só podia andar atrás do homem, nunca ao seu lado). Assim, o jovem casal de deuses voltou a Onogoro-shima e novamente giraram sobre a augusta coluna de Ama-no-me-hashira e ao se encontrarem, Izanagi foi o primeiro a falar seguido por Izanami. Ao terminar, realizaram a augusta união entre ambos e assim começaram a procriar as Ilhas para trazerem novas gerações e novas terras a partir da Terra.
A Criação dos Deuses (Kamiumi)
Izanami logo deu à luz oito adoráveis filhos, que se tornaram as ilhas do Japão. Izanagi e Izanami, então, criaram muitos deuses e deusas para representar as montanhas, vales, cachoeiras, rios, ventos e outros recursos nativos do novo país. Dentro da mitologia japonesa, o episódio da Criação dos Deuses “Kamiumi”, ocorre posterior ao nascimento das ilhas do Japão e referem-se ao nascimento das deidades filhos de Izanagi e Izanami.
No entanto, durante o nascimento de “Kagutsuchi”, o deus do fogo, Izanami teve seu corpo gravemente queimado, ferindo-a mortalmente. Izanagi, ao ver morrer a sua amada esposa, ficou possuído por um ódio insano; Tomou sua espada de dez palmos e assassinou Kagutsuchi, despedaçando-o. Do sangue e dos restos de Kagutsuchi, também nasceram outras variedades de deuses. Mesmo em seu leito de morte Izanami, agonizante, continuou a gerar deuses e deusas, e ao chorar sua morte, ainda outras divindades emergiram das lágrimas do aflito Izanagi.
A descida ao Yomitsu Kuni: O Submundo
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Izanami |
Quando Izanami morreu, ela foi enviada ao Yomitsu Kuni (mundo dos mortos). Izanagi desesperado decidiu cruzar as portas do submundo com a missão de trazer sua amada de volta…
Izanami cumprimentou Izanagi das sombras enquanto ele se aproximava da entrada do Yomi. Ao encontrar Izanami, o deus lhe disse: “Os países que tu e eu criamos ainda não foram totalmente terminados. Voltemos”. Izanami respondeu-lhe: “Meu senhor e marido, que lástima, por que tua vinda é tão tarde? Eu já comi da comida do Mundo de Yomi!… No entanto, vou me consultar com as deidades daqui. Peço-te que de nenhum modo me olhes”. Dizendo isso, Izanami adentrou no submundo desaparecendo nas trevas.
Não obstante, passava o tempo e Izanami não regressava, Izanagi começou a se desesperar. Angustiado com a demora e determinado a encontrar a esposa, Izanagi acendeu uma tocha e olhou dentro do Mundo de Yomi. Mas ao olhar mais de perto se surpreendeu com a imagem aterrorizante, viu que sua amada esposa já não era a mesma, Izanami agora era um cadáver em decomposição. A deusa de outrora, tão bela, tinha se convertido em um ser cadavérico e parte de seu corpo já estava putrefato e cheio de vermes. Sobre seu corpo disforme, surgiram ainda outros oito deuses horrendos, e o deus do trovão (Raijin).
Horrorizado com o que viu, Izanagi decidiu regressar, mas a própria Izanami, envergonhada por ter descoberto sua aparência, ordenou as “Yomotsushikome” (espíritos hediondos femininos do submundo) que perseguissem o deus.
Na fuga do mundo dos mortos, Izanagi tirou uma grinalda de sua cabeça e a atirou ao solo convertendo-a em um cacho de uvas. As Yomotsushikome começaram a comê-las dando a Izanagi uma dianteira. Mas logo o alcançaram novamente, de modo que ele rompeu a presilha de sua cabeleira e atirou-a também ao solo, transformando-a em brotos de bambu. Elas pararam e começaram a brigar entre si pelo broto de bambu e assim Izanagi pôde livrar-se das horrendas algozes.
Irada por Izanagi não ter respeitado os seus desejos, Izanami enviou ainda o deus do trovão, e um exército de mil e quinhentos guerreiros ferozes do Yomi para continuar a perseguição. Enquanto corria Izanagi desembainhou sua espada de dez palmos e brandiu com ela, fazendo um barulho ensurdecedor a ponto de fazer cair muito dos guerreiros que o perseguiam. Ao chegar a “Yomotsu-hirasaka” (a ponte que ligava Yomi a terra dos vivos), Izanagi tomou três “melocotones” de uma árvore que tinha crescido naquele lugar e golpeou com eles os seus perseguidores que fugiram.
Izanagi conseguiu escapar, bloqueando com uma gigantesca pedra a passagem entre o mundo dos mortos e o mundo dos vivos. Então, Izanami surge ameaçadora a sua frente… Cruzando seus olhares pela última vez, a deusa ameaça: “Se continuar a comporta-te deste modo, estrangularei e farei morrer em um único dia, mil homens em tua terra!”. Ao que Izanagi retruca e diz: “Em troca mil e quinhentos homens nascerão!”. Sendo consideradas essas palavras, uma alusão ao ciclo de vida e morte da humanidade.
O Nascimento da Nobre Trindade: Amaterasu, Tsukuyomi e Susanoo
Ao retirar-se do Yomi, Izanagi sentiu-se imundo por causa do seu contato com os mortos, e decidiu tomar um banho para se purificar, realizando o Misogi (Cerimônia Xintoísta da purificação). Enquanto se banhava no rio Ahakihara, em Tachibana-no-Ono, no país de Tsukushi, de suas vestes colocadas no solo, outras divindades nasceram, deuses e deusas, tanto do bem como do mal.
Por fim, de seu último ato de purificação, nasceram os três deuses mais importantes do Xintoísmo: Amaterasu-ōmikami “Augusta Deusa do sol”; Tsukuyomi-no-mikoto “O Deus da lua”; e Takehaya-susanoo-no-mikoto “Deus do mar”. A deusa do sol Amaterasu nasceu de seu olho esquerdo, o deus da lua Tsukuyomi, apareceu de seu olho direito, e Susanoo surgiu de seu nariz. Orgulhoso com o nascimento de seus três nobres filhos, os três deuses, chamados Mihashira-no-uzu-no-miko “Três filhos ilustres”, Izanagi dividiu seu reino entre eles.
Logo após o nascimento da tríade, Izanagi decidiu atribuir uma tarefa a cada um deles: para Amaterasu ele entregou um colar sagrado que simbolizaria o poder divino, tornando-a deusa do Sol a habitar o céu, enquanto para Tsukuyomi ele atribuiu a Lua, tornando-o deus da noite, a Susanoo, ele entregou o comando dos Oceanos. Por fim Izanagi dá por concluída sua missão da criação, e parte para a ilha de Ahaji, onde passou a viver em total reclusão.
Essa lenda é contada no livro, de maneira mais prática, é claro, mas é contada. Vale muito a pena ler, se você não conhece, como eu, o trabalho dessa autora (se não me engano esse é o terceiro livro dela), é uma boa dica pra começar. E se, como eu, é apaixonado pela cultura oriental e a mitologia japonesa, sem dúvida vai amar esse livro!
Até a próxima, pessoinhas!