Vocês que estão por aqui há um tempinho sabem que eu não dou de deixar livros difíceis, já passei por umas leituras bem pesadas, a coisa é que existe uma diferença entre o propósito daquilo que estou lendo. Quando comecei As Boas Mulheres da China não esperava aquele soco no estômago que foi a leitura, mas tinha em mente que era situada em um contexto histórico real e queria passar uma mensagem, um silencioso grito de socorro dentro de um país que até hoje oprime sua população mascarando uma ditadura de democracia.
O mesmo, contudo, não aconteceu com Condenados à Vida. Já havia lido outro livro do Carrero anos atrás, tem resenha aqui no blog, e lembro que havia gostado bastante da maneira como ele retratou o nordeste e suas falsidades políticas, além de abordar uma vibe meio Macbeth, notei quando li a peça ano passado, tornando seu personagem principal um homem subvertido pelo poder que conquista. Novamente, entra o propósito. Nem sempre ele fica claro para o leitor, já dei de cara com leituras que não consegui identificar o motivo da cadeia de causas e consequências, mas ao menos isso ficava coerente dentro da narrativa que tinha alguma lógica por trás.
Comprei esse livro numa feira literária aqui na cidade em novembro do ano passado. Pela sinopse (e ela engana, viu?) e meu contato anterior com a escrita crua do autor tinha em mente que seria uma leitura difícil, talvez um pouco indigesta, mas nada podia me preparar para o que estava nas páginas desse compilado de quatro romances. Condenados à vida reúne o que se considera as quatro melhores obras de Raimundo Carrero: Maçã Agreste (1989), Somos Pedras que se Consomem (1995), O Amor não tem Bons Sentimentos (2008) e Tangolomango (2013), parei de ler pouco mais do segundo livro. Antes disso ainda tive que aguentar aquele ensaio de um tal José Castello que eu nunca ouvi falar, mas conversa por páginas intermináveis sobre a obra do autor em questão e o número de "literatura" inferior que se divulga na modernidade. Ou seja, outro autor que só considera literatura a "nata" dos clássicos.
Quem leu a resenha do primeiro livro sabe que eu não gostei. Já começou que ele parecia não fazer sentido nenhum, pesquisando a respeito vi até mesmo referências de Crime e Castigo que acharam dentro do livro! E só ficava me perguntando "onde cabógis estava isso?!"li esse romance fantástico de Dostoiévski e não vi nenhum mínimo sinal dele naquela história que me soou muito sem pé e cabeça. Mas até aí tudo bem, fui engolindo e tentei avançar para o segundo livro só que, gente, deu não.
Okay, talvez o propósito daquele livro tenha sido criticar a sociedade hipócrita, a insensibilidade e falta de empatia, a corrupção política e policial, enfim, talvez seja algo muito mais profundo que isso e eu sou apenas burra demais para me dar conta, mas o que eu vi muito ali foi um personagem neonazista atacando pessoas de graça e levando outros a fazer o mesmo. Inclusive, quero deixar um adendo aqui, as editoras precisam começar a colocar avisos de gatilhos nos livros! Esse segundo romance tinha praticamente um estupro por capítulo! Além dos assassinatos. Uma pessoa despreparada ou com trauma anterior simplesmente pode passar mal se vendo dentro de um pesadelo desses. É um absurdo que não veja discriminado em algum lugar da capa ou contracapa que há gatilhos dentro do romance.
A leitura se tornou indigesta a um ponto que eu estava dividida entre vomitar e chorar. Além disso, voltou aqueles diálogos sem separação que me davam uma agonia sem fim, os parágrafos enormes que davam a sensação que a história não andava, a mistura de violência com personagens que não tinham o menor carisma, você só sentia por eles raiva, nojo, pena ou indiferença. E se isso é retratar a sociedade tal e qual ela é, sinceramente, acredito que haja maneiras menos chatas de fazer isso. Ao menos coloque no papel um personagem por quem o leitor possa torcer.
As histórias se cruzam em algum ponto, li resenhas dos outros livros e notei que os personagens se entrelaçam em diversas formas ao longo dos quatro romances que abordam incesto, pedofilia e algumas outras questões. Mas esses dois primeiros são mostrados de forma impessoal, praticamente irrelevante, como se ler sobre dois irmãos ou um filho e uma mãe transando fosse "normal". Ou mesmo ler a descrição de uma criança sendo queimada viva fosse corriqueiro e isso é amostra grátis perto do que tem nas páginas que li e provavelmente teriam nas próximas que não quero descobrir. Aquele tipo de narrativa meio jornalística, seca e sem nenhum lirismo, cujo intuito parece ser chocar e só. Isso, claro, é impressão minha.
E aqui se encerra minha saga com esse livro que, confesso, não foi nada do que eu esperava e findou por me decepcionar muito. Uma pena, queria ter conseguido gostar ou me animar para continuar. Mas, como disse, talvez meu intelecto não esteja à altura da prosa de Carrero e tudo bem, ninguém é menos leitor por não entender Platão ou não cair de amores por Machado de Assis.
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