Original: The Bride of Lammermoor, 1819, Escócia
Autor (a): Walter Scott
Período de Publicação: 1953
Número de Páginas/Capítulos: 191 páginas/35 capítulos
Sinopse: Profecias sombrias e eventos sinistramente simbólicos cercam o romance de Edgar, Mestre de Ravenswood, e Lucy Ashton, filha do homem que deslocou a antiga família Ravenswood de seu lar ancestral. Sir William Ashton, o astuto e egoísta Lorde Guardião do Grande Selo da Escócia, usou seu poder para reivindicar a propriedade de Ravenswood, deixando Edgar meditando sobre os erros de sua família na torre solitária de Wolf's Crag. Seu desejo de vingança é desafiado e eventualmente derrotado por seu amor pela filha gentil de Sir William, mas seu novo espírito de reconciliação é frustrado por divisões políticas e a oposição determinada da mãe dominadora de Lucy.
"Haverá demônio mais funesto do que o demônio de nossas paixões quando cedemos à sua violência?"
Lucia di Lammermoor foi a primeira ópera que assisti e meu primeiro contato com o gênero. Não muito depois de ver duas ou três versões da adaptação de Donizetti descobri que a história era, na verdade, baseada em um livro de um romancista escocês. Sendo até então minha ópera favorita, naturalmente surgiu o desejo de conhecer a história original, mas infelizmente é um livro raro e por isso bastante difícil de achar. Por sorte, em uma nova tentativa este ano, consegui a versão digital de uma edição portuguesa e foi a que li.
Contextualizando um pouquinho, Sir Walter Scott foi um romancista escocês que viveu entre as últimas décadas do século XVIII até as últimas do século XIX (1771-1832) e a quem é creditada a criação do gênero romance histórico. Nasceu em Edimburgo e era filho de um advogado. Seu pai destinou-lhe a carreira de Direito, mas ele depressa a trocou pelos entusiasmos da literatura e pela adoração das antiguidades. Aos 22 já considerado o primeiro poeta nacional, famoso pela «Canção do Último Menestrel», onde se adivinhava ligeiramente o surto que o seu espírito estava conseguindo. No prefácio do livro, há duas especificações que merecem algum destaque, a primeira trata-se que o autor, no auge de à excruciante dor da tifo, doença que ceifou-lhe a vida, ele não escreveu este romance à punho, mas ditou-o aos seus secretários e por isso a linguagem é um tanto quanto direta e com narrador onisciente. A segunda, diz-se que a história foi inspirada em eventos reais.
Esta resenha pode conter alguns spoilers leves na comparação entre a obra e sua adaptação, portanto fica a critério do leitor prosseguir a leitura.
Um escritor visita um amigo pintor e demonstra curiosidade sobre um quadro, o artista então lhe conta a trágica história de amor amaldiçoado entre uma donzela e um baronete destituído que estavam destinados a se odiar. O autor, por sua vez, trata de reproduzir a história contada pelo leitor no texto que lemos.
Ambientada na nobreza rural escocesa, a história segue o velório de Lorde Allan Ravenswood, um barão de uma belicosa linhagem antiga e tradicional que perdera todos os seus bens por crime de alta traição tendo seus bens em grande parte, incluindo o castelo da família, conquistados por Lorde Ashton cuja esposa, uma mulher ambiciosa e bem relacionada, era inimiga da família Ravenswood por questões políticas e religiosas. Sem nada mais para si, o herdeiro do falecido barão, Edgar, retorna para o velório do pai e jura diante de todos os presentes que vingará a injustiça feita à sua família.
O que ele não esperava, confinado na decrépita torre de Wolf's Crag que era tudo que lhe restara, era um dia salvar uma bela e delicada jovem, juntamente com seu pai, de serem mortos por um touro bravo. Ele não podia imaginar que, diante de si, estava Lucy Ashton e seu pai, Willian Ashton, o homem a quem jurara diante de todos destruir. A paixão por Lucy é imediata e avassaladora especialmente diante da situação inusitada na qual se conheceram. Vendo a inclinação entre eles e agradecido pelo salvamento do homem, Lorde Ashton incentiva os sentimentos da filha e vê naquele enlace um possível apaziguar da animosidade entre as famílias, além de uma maneira de aumentar sua importância política sendo associado a um barão de família tradicional.
Aproveitando-se da ausência da esposa, o homem faz de tudo para aproximar a filha do ex-barão e os dois encontravam-se em uma fonte chamada Fonte da Sereia que, rezava a lenda, era uma fonte amaldiçoada para os homens da família Ravenswood. Mas, decidido a não dar ouvidos a tais superstições, o casal troca ali o primeiro beijo que selaria seu compromisso. Sabendo que precisaria de mais que o amor para conseguir ter uma vida ao lado de Lucy, especialmente porque a jovem não estava disposta a aceitar um compromisso que os pais não aprovassem, Edgar entra em contato com seu parente, um importante marquês, na esperança de reaver seu título de barão e conquistar espaço na política e prestígio para seu nome, assim demovendo o coração da mãe de Lucy.
Lady Ashton, uma mulher cruel que colocava a importância da família sempre acima dos sentimentos de todos, ao saber do compromisso entre a filha e o seu inimigo, volta imediatamente à Escócia a fim de impedir que o enlace aconteça. Bem nessa ocasião, Ravenswood está visitando o castelo juntamente com seu parente marquês, mas é expulso pela gélida Lady Ashton sem qualquer consideração. Ele parte com o marquês para conseguir reaver seu título e nesse ínterim a mãe de Lucy tenta forçá-la a um casamento com um rico proprietário de terras, coisa que a menina refuta por seu compromisso com o ex-barão ainda não estar dissolvido. Todavia, Edgar passara muito tempo fora e boatos de seu casamento começaram a ser sussurrados por todas as partes e chegaram aos ouvidos de Lucy.
Sem querer aceitar aquilo, ela lhe escrevera sem obter qualquer resposta e, assim, tendo por esta atitude a confirmação de que Edgar não mais a queria, fez a vontade da mãe e aceitou o forçado casamento com Bucklaw. Porém, bem no dia da cerimônia, quando os papéis haviam sido assinados, eis que aparece Edgar Ravenswood tomado pela ira e indignação e sentindo-se traído. Exige uma audiência privada com Lucy de quem se sentia ainda compromissado, e só lhe é permitida com a presença de Lady Ashton. Apática e sem conseguir esboçar qualquer reação, Lucy ouve-o com pesar condenar-lhe a alma pela traição e, para piorar, sua mãe toma-lhe a voz dizendo impropérios para seu inimigo.
O trágico destino do casal não podia ser revertido e, condenados a triste separação, o desfecho macabro selou para sempre o fio vermelho que uniu suas almas.
Falando do livro em si, talvez por estar acostumada com prosas mais... não sei, "encorpadas", confesso que A Noiva de Lammermoor não foi bem o que eu esperava. Uma narrativa relativamente simples, quase como um relato crônico mesmo, salvo as descrições um tanto quanto poéticas, ora massivas ora ausentes, além de uma apresentação de personagens um tanto quanto caótica, alguns com enormes planos de fundo e outros apenas superficialmente contextualizados, não deu muito para me apegar ao casal e torcer por eles. O fato de ter visto a ópera mais de uma vez também tirou as surpresas do final apesar de ambos serem, até certo ponto, bem diferentes.
É meu primeiro contato com o autor, então não posso falar muito da sua produção em si, a tradução portuguesa também não ajuda muito na familiaridade, uma vez que o português brasileiro tem com ela as suas discrepâncias. Ainda assim, não achei de modo algum um livro ruim, foi interessante encarar essa prosa mais antiga e ainda mais ambientada em um país como a Escócia, já que boa parte dos romances históricos que leio sempre vem com um dedo sangrento da Inglaterra. Não é um livro grande, mas tampouco é um livro simplista aquém de sua narrativa simples. Tem sua cota de personagens medonhas, um romance que lembra bastante a produção trágica Shakespeariana além de ser uma leitura relativamente rápida.
A Ópera
Contudo, apesar de se basear no livro de Scott, a adaptação italiana traz algumas divergências da sua obra de origem. A primeira delas, transferindo o papel de antagonista da mãe de Lucy (na ópera, Lucia) para seu irmão e tutor, Enrico. A animosidade entre as famílias permanece e outras personagens, não presentes no livro, como a serviçal de Lucia, são peças fundamentais na produção.
Lucia e Edgardo se encontram próximos a uma fonte em Lammermoor onde a jovem afirma para sua criada que havia avistado ali um fantasma de uma jovem assassinada por um dos ancestrais de Ravenswood, a criada, temendo, diz à jovem que aquilo pode ser um presságio e a aconselha a desistir do romance, algo ao qual Lucia não lhe dá ouvidos. Edgardo aparece e lhe conta que vai à França a fim de obter poder político e, assim, demover o coração de Enrico para que este permita seu casamento com Lucia. Os dois trocam alianças para firmar o compromisso e se separam.
Ao descobrir o romance de sua irmã mais nova com o inimigo de sua família, Enrico forja uma carta de Edgardo na qual afirma que ele já se esqueceu dela e está prestes a casar-se com outra e, assim, persuade a irmã a aceitar um compromisso com Arturo Bucklaw. Magoada e contrariada, a jovem obedece ao irmão, mas Edgardo aparece na cerimônia ameaçando a todos e, quando Enrico lhe mostra o acordo nupcial assinado, ele força Lucia a tirar a aliança quebrando o compromisso com ela.
Enrico e Edgardo marcam um duelo para o dia seguinte. Lucia, ensandecida pela tristeza, mata Arturo a punhaladas na noite de núpcias e desce até os convidados que festejavam o casamento, completamente ensanguentada e delirante, imaginando seu casamento com Edgardo. Na manhã seguinte, Enrico e Edgardo se encontram para o duelo quando o cortejo fúnebre aparece lamentando a morte de Lucia, Edgardo, sem suportar a ideia da perda da amada, se suicida com uma punhalada no peito.
As discrepâcias entre as obras se pontuam especialmente de modo mais latente no final. No livro, o Coronel Ashton, irmão de Lucia, aparece bem no final e desafia Edgar para um duelo quando este aparece no funeral de Lucia, mas o duelo nunca acontece porque no caminho Edgar se deixa engolir pela areia movediça. Outro ponto diferente é que no livro, Bucklaw não morre, apesar de Lucy o esfaquear na noite de núpcias, ele consegue sobreviver e termina a história partindo para outro lugar e se casando novamente.
O ponto maior em questão se dá pelo desfecho da infeliz personagem. Enquanto na ópera não fica claro como Lucia morre, variando a causa de acordo com a vontade do diretor do espetáculo, no livro ela padece de uma febre intensa que lhe causa várias convulsões até que finalmente a mata. Ou seja, praticamente ela morre de tristeza. Já nas óperas, e vi três versões dela, alguns diretores optam por suicídio, outros por um aborto espontâneo (!!!) que a faz sangrar até a morte. Talvez para causar um maior impacto na produção ou algo do tipo, mas em ambos os casos acho meio deslocado.
Todavia, continua sendo uma das minhas óperas favoritas e, quando bem interpretada, consegue realmente nos prender e tocar. Minha versão favorita é a de Natalie Dessay no Metropolitan Ópera em 2011, tal como em Hamlet, ela está sublime nesse papel aquém de todos os problemas que teve e das cirurgias as quais precisou submeter-se. Recomendo muito. Ainda há uma versão legendada em português com Diana Damrau no papel de Lucia, apesar de gostar muito da Diana e achá-la uma soprano fabulosa, não gosto muito dessa produção, não apenas pela leve descaracterização que eles deram aos personagens (algumas licensas poéticas bem... complicadas) como pelo tom inglês do figurino para uma peça que se passa na Escócia. Mesmo que tal erro se repita na produção de Natalie, ela consegue nos conquistar com sua interpretação ao ponto de relevarmos o detalhe. A soprano russa Anna Netrebko também assumiu, em 2009, o papel de Lucia no Metropolitan, apesar de considerá-la uma excelente atriz e uma boa soprano, não gostei muito da performance dela nessa ópera, a voz mais metálica e potente dela destoa um pouco da delicadeza e fluidez de notas que a personagem pede de um soprano leggero.
Também vi a produção do Teatro Real Madrid (creio que realizada em 2019 ou 2020, não tenho certeza) com Lisete Oropesa no papel principal. O figurino dessa produção respeita a nacionalidade de Edgardo colocando-o com tradicionais roupas escocesas, mas ignora os demais personagens e traz um figurino um tanto quanto infantil para Lucia, algo que não me agradou muito. Todavia, a interpretação de Lisete é realmente irretocável, sendo a melhor Lucia desde a fabulosa Natalie, aposentada da ópera em meados de 2011. O que não gosto muito nessa última produção também é o tom meio artístico modernista que eles quiseram dar não somente ao cenário, mas ao final onde as personagens "mortas" aparecem sentadas em cadeiras e representadas em quadros numa coisa meio metafórica que não combinou muito com o enredo. Ainda assim, vale a pena pela interpretação magnífica da Lisete.
Todas as produções citadas podem ser encontradas no Youtube, vou deixar os links abaixo caso alguém se interesse em assistir. É uma peça, a meu ver, até pequena se comparada a outras óperas, tendo a duração média de duas horas e meia. Se você nunca viu uma ópera antes, mais que recomendo que comece com esta ou, se procura algo mais voltado para comédia veja Il Barbieri di Sevilla e, caso seja um amante da fantasia, The Magic Flute outra ópera com uma das árias mais famosas do mundo.
Por enquanto é só gente linda, eu tenho tido algumas complicações e esse ano tá meio louco. Tem muita resenha que eu preciso fazer, mas confesso que ando meio sem vontade haha. Vou ver como faço. Dramas ainda não terminei nenhum e provavelmente a próxima resenha será de um donghua. Se cuidem e até a próxima!
Links para assistir a peça:
Natalie Dessay (Metropolitan Opera, 2011) esse é um vídeo não listado, então, por favor, não espalhem muito para que não seja denunciado.
Diana Damrau (RTP 2018) Legedada em Português
Lisete Oropesa (Teatro Real Madrid, 2019 ou 2020?)
Anna Netrebko (Metropolitan Opera, 2009)
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