Autor: José de Alencar
Ano: 1862
Gênero: Drama, romance
Sinopse: Sob a perspectiva do personagem Paulo, conhecemos o relacionamento dele com uma cortesã do império por meio de cartas que ele envia à senhora G. M., nelas recorda o passado e compartilha seus sentimentos mais íntimos a respeito de Lúcia. Alencar constrói o romantismo com muita sensibilidade, ao mesmo tempo em que explora acontecimentos e cenários de maneira extremamente natural, trazendo fundos de veracidade e espelhando com maestria a corte imperial carioca. A crítica social está presente na construção dos personagens, em seus valores e atitudes, que trazem reflexões sobre os preconceitos da época e as mazelas de uma burguesia pautada por aparências.
Meu primeiro contato com José de Alencar foi na escola e não por obrigação das aulas, mas por interesse meu, numa época em que descobri romances históricos e estava apaixonada por eles. A biblioteca da escola era meu refúgio desde sempre, mesmo nas vezes em que foi remanejada para diferentes lugares conforme as reformas e as mudanças ocorriam, se estive longe dela em algum momento foi no período de um ano no qual dividíamos a escola dentro de outro colégio, misturado com os alunos de lá, de modo que não era a biblioteca da minha escola.
Lembro que, logo de cara, me vi apaixonada por Machado de Assis e sua Iaiá Garcia, mas torci o nariz para a Senhora de Alencar. Motivo? Por mais "estrambólica" que a prosa de Machado pudesse ser para meu eu de quatorze, dezesseis anos, ele usava de metáforas e intrínsecas melodias que muito me encantavam os olhos e soavam poéticas aos ouvidos. Enquanto Alencar usava aquela prosa mais "seca" permeada de um amontoado de palavras hiperbólicas que não me agradavam e dificultavam meu primário conhecimento literário.
Anos depois, após revisitar Iaiá Garcia e conhecer melhor outras obras de Machado, eis que faço nova tentativa de ler José de Alencar e, com sorte, tirar a primeira impressão ruim da adolescência.
A prosa é narrada do ponto de vista de Paulo, pernambucano recém-chegado ao Rio de Janeiro que se encanta por Lúcia, uma jovem que vê por acaso na ocasião de sua chegada. descobre ser esta uma famosa e cobiçada cortesã da corte com particularidades muito específicas no que diz respeito aos seus "clientes". Esta introdução lhe é feita por Sá, seu amigo que já tinha prévio conhecimento com a citada.
Incapaz de dissolver no esquecimento a beleza etérea da jovem, Paulo passa a ir até sua casa e tentar aproximar-se dela com claro intuito de tornar-se seu amante. A relação, inicialmente apenas moldada nos arremates da carne, vai aprofundando-se em algo mais complexo com o passar da convivência de ambos, que gera burburinho na sociedade e leva à mexericos que põem em xeque o relacionamento.
Tendo sido persuadido por seus invejosos amigos a deixar de lado essa relação infrutífera, Paulo se vê incapaz de resistir à Lúcia e a hipnótica dominância que ela tem sobre ele. Porém, a relação vai esfriando ao ponto de tornar-se uma amizade na qual ambos escondem seus verdadeiros sentimentos em nome de duvidosos segredos que por vezes são mal interpretados pelo febril Paulo.
Não tenho nem bagagem, nem conhecimento para tecer aqui análises profundas sobre a obra, por isso, vou me abster à minha impressão pessoal acerca da história e suas personagens sem buscar holofotes, tentando dar voltas em uma análise vazia de informações próprias ou tiradas de algum site qualquer.
De fato, a prosa de Alencar não me cabe. É cheia de firulas que, embora se mostrem por vezes poéticas, são compostas de uma tessitura e cheias de hipérboles léxicas que me soam secas e talvez — não sem propósito do autor — carregadas de satírica ironia que quebram um pouco o uso ao qual eram primariamente destinadas de modo a não permitir ao leitor separar a impressão de seu propósito mesmo sendo esta sua vontade.
A obra me remeteu bastante à ópera La Traviata de Giuseppe Verdi que, inclusive, gosto bastante, esta por sua vez é baseada no livro A Dama das Camélias, de Dumas Filho, obra citada em Lucíola talvez como uma menção ou uma pista de lhe ser, de alguma forma, versão (não posso dizer, pois não li). Todavia, são semelhanças bem nítidas e pessoas que viram a ópera decerto notarão, incluindo o final trágico que se dá por razões distintas, mas em circunstâncias pares.
Paulo, que não julgo por sua ignorância dos ventos juvenis, era instável e dava-se com facilidade aos mexericos invejosos de seus "amigos" por conseguir-lhes a cobiçosa posse fugidia. Levado pela vida de aparências e futilidades, embora sabendo a verdade sobre a vida levada por Lúcia, nada dela de fato sabia e, ao mesmo em que ela lhe instava fidelidade, este a desejava enquanto a repelia em favor do próprio nome "social". Estava consciente dos sentimentos dela, mas não a assumia, tampouco se impedia de julgá-la ao menor sinal de dúbio acontecimento. O próprio admite sua boçalidade quando, enfim, a consciência experiente lhe permite compreender as nuanças que os cegos olhos apaixonados lhe subtraíam na obcecação do desejo.
Lúcia, de sua parte, começou como um enigma. Suas particularidades me deixavam a dúbia percepção dos seus pensamentos que eram intensificados pelo olhar nublado de Paulo. Entre idas e vindas do que me pareciam devaneios desvairados de uma possível insanidade, comecei a perceber, por fim, os arroubos de depressão que lhe sacudiam os sentidos devido à vida que levava e eram ainda mais violentos à luz dos seus sentimentos por Paulo. Descobrir a história dela e a revelação trágica no final apenas clareou mais essa percepção tardia. De alguma forma, ela me representava o clamor de uma igualdade jamais advinda, uma vez que, dado seu gênero e a vida levada, qualquer de suas ações eram interpretadas ao bel-prazer da sociedade hipócrita e moralista na qual vivia.
Embora não possa dizer que tenha tirado de todo a má impressão da primeira leitura de Alencar, afirmo que esta suavizou-se ao menos um pouco, embora não seria minha primeira opção escolhida entre os clássicos brasileiros. Talvez a semelhança muito grande com uma ópera da qual gosto bastante tenha sido útil no meu, se não agrado, mas perseverança na leitura e afastou por completo qualquer decepção que pudesse ter tido no final, uma vez que este era esperado desde certo ponto nos primeiros capítulos.
Adaptação
Tem 2 adaptações, um filme mudo de 1916 e outro filme já na década de 70, em 1975 que foi o que achei para ver, inclusive, acho que é o filme mais velho que já assisti. Tem no youtube para quem desejar. Foi roteirizado e dirigido por Alfredo Sternheim tendo no elenco Rossana Ghessa, Helena Ramos, Carlo Mossy, Clemente Viscaíno e Sérgio Hingst.
Eu não tenho nenhum tipo de conhecimento sobre cinema, então nem vou falar de coisas como fotografia, figurino ou coisa do tipo. Achei as interpretações um pouco "engessadas"? Achei. Mas não julguei o filme ruim, inclusive, foi mais fiel ao livro que muita adaptação feita hoje em dia. Teve pouquíssimas elipses na história, até mesmo os diálogos são tal e qual estão no livro de modo que é mesmo como se a gente estivesse vendo o filme da nossa cabeça enquanto lia na tela.
É um filme que eu indicaria? Não. Se fosse pra indicar, faria isso com o livro. Mas a título de curiosidade fui ver e para quem tem preguiça de ler por ser um clássico antigo com linguagem um tanto rebuscada, fica aí uma boa adaptação da obra.