Oi gente, pois é como sabem eu ando desaparecida do blog e já ando repensando algumas coisas... Aqui no presente nada melhorou muito, mas estou fazendo alguns progressos, por enquanto vou colocando só as resenhas dos livros e vou continuar postando Literatura aqui. E eis aqui o segundo capítulo, espero que vocês gostem! Não leu o primeiro? Clica AQUI
Capítulo
02 –O Estranho do bloco G
Não posso dizer que a faculdade é
algo fácil. Quando optei por letras pensei que lidaria melhor do que história,
já que no Brasil não existem faculdades de literatura como nos Estados Unidos.
Meu plano era me formar e me especializar em literatura Inglesa, mas pelo menos
eu estava feliz de fazer algo que eu gostava em partes. O principal motivo de
eu ter optado por aquele curso foram os meus livros, eu queria me aperfeiçoar
enquanto aspirante a escritora, embora pelas poucas aulas que já havia visto eu
ainda estivesse no nível mínimo de conhecimento.
- Como foi seu
primeiro dia? – Perguntou minha mãe, entusiasmada.
- Hum... Normal. – Dei
de ombros ainda agarrada ao caderno.
- Gostou pelo menos um
pouco?
- Os professores são
legais... Pelo menos os dois que conheci hoje.
- Você não parece
muito animada. – Ela falou com a voz apreensiva.
- Não estou soltando
fogos de artifício, mãe. Mas estou bem.
Afirmei me dirigindo ao meu quarto e
fechando a porta em seguida. Desde que eu fora aprovada no vestibular ela e o
meu pai não tem falado de outra coisa (com todo mundo), eu só fui privada da
faixa ridícula de anuncio e do provável anúncio na rádio que por bem pouco o
meu pai não fez. Entendia em parte o orgulho deles, principalmente pelo fato de
eu não ter estudado nada para fazer aquela prova, mas eu me sentia pressionada.
Era compreensível a apreensão da minha mãe de que eu não estivesse feliz, ter
uma filha com problemas psiquiátricos não é algo fácil de se lidar e eu podia
sentir que ela estava sempre preocupada com a minha sanidade e com o meu
equilíbrio emocional que tinha o péssimo costume de sair facilmente do
controle.
Me joguei sobre a cama e repassei a
matéria que tinha visto em linguística àquele dia. Depois, peguei o livro que
estava lendo, Julieta Imortal, que
Amberly havia me dado de presente meses atrás e continuei de onde havia parado,
estava adorando o livro e mal conseguia larga-lo, mesmo na faculdade entre as
aulas.
“O amor verdadeiro não pode competir com a queda. É uma escalada pela
face rochosa da montanha, um trabalho árduo, e a maioria das pessoas é egoísta
ou tem medo de tentar. Em seus relacionamentos poucas chegam ao ponto de chamar
a atenção da luz e da escuridão, de comprometer-se com o amor apesar dos
obstáculos, ou tentações, que surgem no caminho"
- Sábias palavras Julieta. – Falei comigo
mesma. – Eu faço parte das pessoas que tem medo de tentar.
Admito
mesmo, sou completamente avessa à ideia de amor como algo real. Por mais
que tente, não consigo acreditar que possa existir na vida real algo como é
possível viver nos livros. E o mais irônico nisso tudo é que eu vivia rodeada
de histórias de amor, escrevia histórias de amor e nunca havia me apaixonado.
Você pode rir, eu não ligo, passar dos vinte anos sem nunca ter beijado ninguém
era meu maior sinal de vitória. Eu achava mais produtivo me esforçar para
conseguir meu lugar ao sol que ficar me ligando a sentimentos que muito
provavelmente não funcionariam na vida real. Pelo menos eu não conseguia
acreditar que fossem possíveis, embora eu devesse admitir que, enquanto lia,
sonhava em estar no lugar das meninas dos livros com seus Ian’s, Jared’s,
Romeus, Edward’s, Bem’s, o fato de eu não acreditar no amor não significava
que eu não queria ter um, mas encontrar um Mr. Darcy em pleno século XXI
e no Brasil, parecia tão impossível quanto a neve em um país tropical. Então,
para evitar macular meu coração com tristezas desnecessárias, eu evitava ao
máximo me apaixonar, meu coração só era partido nos livros, quando eles
acabavam, quando me faziam chorar e quando eu ficava cada vez mais certa que
nunca conheceria alguém como Ben Luna ou Romeu Montechio.
- Laura? – Amberly colocou a cabeça na porta
para ver o que eu estava fazendo.
- Hum, oi Amb. Entra. – Falei colocando o
marcador de página dentro do livro e deixando-o cuidadosamente ao meu lado
sobre a cama.
- Desculpa – ela falou tranquilamente – sei
que odeia que interrompam quando está lendo.
- Tudo bem... – Sorri. – Você pode, de vez em
quando.
- Bom saber. – Ela riu. – Então, como é a
faculdade?
- Um pouco assustadora na verdade... – Falei
me encolhendo para dar espaço para que ela sentasse. – Grande, desafiadora...
- Eu perguntei a faculdade e não o fato de
você sair de casa à noite sozinha. – Falou fazendo uma careta, ela me conhecia
tão bem.
- É um prédio grande cheio de salas, Amb... –
Ri.
- Tem algum cara bonito? – Ela perguntou
empolgada.
- Não estamos nos Estados Unidos, Amberly. –
Censurei-a. – No Brasil a chance de topar com o Alex Pettyfer na sala de aula é
nula.
- Ou mesmo o Taylor Lautner.
- Essa é mais nula ainda. – Revirei os olhos.
– Mas a minha sala parecer ser... Hum... Legal. Embora tecnicamente eu seja a
única que lê lá.
- Sério? – Ela parecia chocada. – Como se tem
um curso de português em que as pessoas não leem, é como ter um curso de
ciências sem árvores.
- Pode ser... – Concordei. – Mas talvez ao
longo dos quatro anos, algumas coisas mudem, afinal temos literatura e isso
deve ser mais ou menos igual a livros, pelo menos foi o que entendi.
- Acha que você vai gostar disso, Laura?
- A essa altura eu não tenho muitas opções,
tenho? – Lamentei. – Mas acho que vou gostar sim, afinal se eu quero mesmo
trabalhar em uma editora um dia, esse curso é o certo.
- Então está bem. – Ela falou por fim. – Vou
te deixar ler.
Ela
sorriu dando leves tapinhas nos meus pés e deixou o quarto. Amberly era dois
anos mais nova que eu, mas a realidade é que ela era muito mais madura, mais
forte e mais mentalmente sã. Não havia no mundo alguém que me conhecesse melhor
que ela, nem mesmo a nossa mãe! (Na verdade, a minha mãe ainda acreditava que
eu gostava de Sandy e Junior na época do DigDigJoy). O fato de Santa
Rita ser uma cidade pequena não ajudava muito, a gente pode acabar não apenas
se acomodando, mas se tornando meio covarde. Não sei se foi exatamente isso ou
o fato de eu ter desenvolvido transtorno de ansiedade que me fazia temer absolutamente
tudo, mas se havia algo que eu sabia por mais que me assustasse, era que eu não
queria morar em Santa Rita para sempre.
Abri
meu livro e prossegui minha leitura tranquilamente, tentando ignorar os
pensamentos que vinham em minha mente como bombas, eu me lembrava do olhar
curioso do professor Rafael, por alguma razão ele me deixava inquieta e a frase
dele “Acho que vamos nos divertir.” Por mais que pudesse parecer
besteira, eu começava a encarar como uma ameaça. Voltei o parágrafo que estava
lendo quando me perdi em pensamentos e reli:
"Viro o rosto e nossos olhos se encontram, Sinto aquele sentimento
de ligação atravessar o ar que nos separa, assim como na noite passada. Mas
agora sei que a ligação não é apenas insensata ou impossível. É proibida."
Por alguma razão idiota, eu senti que havia
algo naquelas palavras que queria me dar um aviso.
*
Na
noite seguinte cheguei novamente com uma hora e meia de antecedência. Eu me
sentia mais tranquila quando chegava cedo, não havia ninguém no prédio além dos
funcionários e o meu bloco ficava completamente vazio. Havia alguns bancos de
pedra dispostos ao longo da fileira de casinhas com salas, eu me sentei em um
deles com o meu livro e fechei o casaco para aplacar o frio que fazia àquela
noite. Eu corria os olhos pelas palavras como se me transportasse para dentro
do livro, conseguia imaginar cada detalhe do que estava lendo.
"- Mas você a
ama.
Ele ergue as
sobrancelhas.
- Amo? - A ansiedade
aumenta em meu peito. Como ele pode não saber que está apaixonado? Sua aura
está mais rosada do que estava ontem.
- Você sabe que sim.
- Não sei. Nunca
estive apaixonado - ele dá uma pausa e me olha fixamente. - Você já esteve?
- Isso não importa.
- Verdade? - Ben se
aproxima até que eu possa sentir o cheiro do vinho em sua respiração.
- Verdade - meu
coração dispara no peito.
- Eu me importo com
você - diz ele, com uma voz suave. Você é muito importante."
- Desculpe. – Uma voz suave e levemente grave
soou em meus ouvidos me arrancando da cena mental que acabava de visualizar
diante de mim.
Era um garoto, baixo, loiro, usava óculos
como eu. Vestia jeans claro, uma camiseta social e tênis. Trazia uma pasta à
tiracolo e parecia confuso com o mapa que segurava em mãos.
- Eu estou meio perdido com essa divisão de
salas que muda todo período! Sabe onde fica o quarto período de letras? Esse
mapa é horrível! – Reclamou e eu peguei o mapa de suas mãos, delicadamente,
para tentar me situar.
- Hum... Acho que é aquela ali. Pelo menos, é
o que parece segundo esse mapa maluco. – Apontei para a sala no corredor abaixo
do meu.
- Ah, - ele riu - obrigado mesmo.
E
saiu com seu caminhar apressado, eu fiquei perdida por um momento observando-o
quando sussurrei um “de nada” mais para mim mesma que para ele que já
desaparecera no corredor. Decidi voltar para minha leitura quando os corredores
começaram a lotar de alunos, as meninas que vinham para a faculdade de Santa
Rita, algumas de fora da cidade, pareciam vestidas para essas odiosas festas
que vez ou outra apareciam, eram saltos altos, vestidos tão curtos e grudados
que pareciam blusas, nove quilos de maquiagem e cabelos com escova. Eu me
perguntava se elas iam para faculdade estudar letras, geografia ou seja lá o que
fosse, ou se iam para dar a sorte de encontrar algum olheiro secreto da Vogue
ou qualquer outra revista de moda. Santa Rita é uma cidade pequena, mas não tão
pequena como você provavelmente está pensando, é sim uma cidadezinha no
interior do nordeste do Brasil, mas em vista de outras cidades próximas é
grande, tanto que muitas das pessoas das cidades em volta vêm fazer faculdade
aqui, porque na sua cidade não tem universidade.
Coloquei
o marcador de página marcando onde eu havia parado e me levantei para me
dirigir à sala quando o professor Rafael surgiu no corredor, me lembrei nesse
instante que minhas duas aulas primeiras hoje eram com ele e sua língua latina.
Eu nunca tinha imaginado na minha vida que aprenderia Latim, tudo que eu
conhecia sobre isso se resumiam em cantar a Ave Maria em tom soprano e AdesteFideles.
Ele sorriu quando se aproximou de mim trazendo sua mochila preta e
aparentemente pesada nas costas e o mesmo ar descontraído de sempre:
- Ah, ai está a escritora do curso! – Saudou
ele em tom de brincadeira. Sorri sem jeito. – Então, quando vamos poder
conferir o que você escreve?
- Hum... Em que dia cai o dia 28 de fevereiro
de nunca? – Falei tentando suavizar minha voz o máximo possível, para
conter meu súbito nervosismo. Ele riu.
- Ora, e porque não? Uma hora você vai ter
que deixar sua zona de conforto. Precisa desengavetar a si mesma.
- O senhor não ia querer ver o que eu fiz,
acredite em mim. – Adverti.
- Senhor? – Ele fez uma careta e riu. –
Conheço as regras de etiqueta, mas prefiro só Rafael, tudo bem?
- Se eu for advertida por isso vou lhe
lembrar de que a culpa foi sua.
Ele gargalhou e entramos na sala, só então
pude ver que Ariana e mais algumas pessoas já estavam na sala. Sabrina estava
sentada ao lado de uma garota morena chamada Carla, ela me lançou um olhar
inquisidor quando entrei ao lado de Rafael, me analisando de cima a baixo,
ignorei-a e tomei meu assento.
- Boa noite pessoal. – Rafael cumprimentou e
todos responderam. – Bom, vamos começar hoje com Latim.
Eu
observava Rafael enquanto ele falava que as palavras latinas tinham quatro
declinações e cada declinação tinha terminações próprias. Me perdia em meio à
sua voz melodiosa que parecia ressonar e ecoar nas paredes da minha mente,
enquanto eu relembrava as palavras de Ariel/Julieta no livro que estava lendo Julieta
Imortal: “Viro o rosto e nossos olhos se encontram, Sinto aquele sentimento de
ligação atravessar o ar que nos separa, assim como na noite passada.” Era
tão ridículo que eu comecei a rir e me forcei para assimilar toda aquela
explicação quando o que realmente queria era abrir o livro novamente e ler. Vez
ou outra, Rafael dava uma olhadela discreta na minha direção enquanto eu fazia
anotações sobre o que ele falava e escrevia no quadro branco com sua letra de
forma. Eu tentava anotar o máximo de informações possíveis que me ajudassem a
estudar em casa até eu conseguir comprar a apostila, vinte reais logo de cara
não seria nada legal.
Há seis casos para cada palavra em latim:
nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo. Cada um deles tem
uma terminação própria para singular e plural em cada uma das quatro
declinações. Na primeira declinação as terminações são:
Caso
|
Singular
|
Plural
|
Nominativo
|
—a
|
—ae
|
Genitivo
|
—ae
|
—arum
|
Dativo
|
—ae
|
—is
|
Acusativo
|
—am
|
—as
|
Ablativo
|
—a
|
—is
|
Vocativo
|
—a
|
—ae
|
Pensei comigo mesma que não ajudaria muito,
mas mesmo assim fitei orgulhosa a minha anotação junto com alguns exemplos que
ele passara. Ao fim da aula, quando todos começavam a se dispersar pelo corredor,
Rafael se preparava para sair quando parou à porta e falou em um tom de voz
amigável:
- Eu quero sim ver o que você faz. – Ele
piscou para mim e, em seguida, desapareceu pela porta.
Fiquei atônita por um momento quando Ariana
me lançou um olhar curioso e dando uma leve risada perguntou:
- O que ele queria dizer? O que você fez?
- Hum... Nada. Estava falando dos meus
textos. Nada importante.
- E o que você escreve? Disse na outra aula
que já tinha feito um livro, fala sobre o que? – Ela adiantou, tentando puxar
assunto.
- Não é nada sério... – Me esquivei. – Apenas
um monte de bobagens empilhadas em parágrafos. Eu não sou boa nisso, acredite
em mim.
Se
havia algo que eu não gostava era de ser o centro das atenções. O máximo que eu
pudesse evitar chamar atenção eu evitava, gostava e me sentia confortável em
ser discreta e, na maioria das vezes, invisível. Pus os fones no ouvido e
decidi esperar pelo próximo professor na porta. Os alunos que estavam no
corredor me lançavam olhares significativos, eu sabia que a maioria deles me
detestava, embora não fizesse ideia do motivo, mas tivesse uma vaga hipótese de
que fosse pela minha colocação no vestibular, as pessoas tinham a péssima mania
de me achar metida e arrogante antes mesmo de falarem comigo, confesso que o
fato de eu ser antissocial não ajuda nem um pouco na imagem, e claro, o fato de
eu não dar a mínima para o que elas pensam também não. Mesmo assim me
incomodava aquela leva de olhares tortos como se eu fosse algum tipo de visão
desagradável, embora eu confesse que não sou nada bonita. Tentei me concentrar
na música que tocava no meu celular Nokia X2-01, nada contra os celulares
digitais touchscreen, mas além de não ter dinheiro para gastar com isso,
eu não tinha dinheiro para desperdiçar em algo que eu sequer ia saber usar. E
só havia uma função real para o meu celular: armazenar música. Havia tentado
convencer meus pais a me darem um ipod ou um mp3, mas não teve conversa, eles
queriam um celular, tenho um celular.
O
garoto estranho que passara por mim no início da noite a procura de sua sala
caminhava agora pelo corredor e me deu um olhar sutil com um discreto aceno.
Sorriu para mim e desapareceu novamente, por algum motivo eu me senti
deslocada, mas não levei a sério, afinal eu sequer sabia o nome dele. Um senhor
de idade veio na direção da nossa sala, devia ter seus cinquenta e poucos anos,
ou mais, trazia consigo um sorriso aberto e receptivo e uma jovialidade e
simpatia que certamente causaria inveja à pessoa mais carismática do mundo. Eu
o conhecia indiretamente, aquele senhor calmo e sorridente era mestre em língua
portuguesa e já havia vencido mais de vinte concursos de poesia tanto regionais
como nacionais.
- Boa noite queridos! – Ele falou com uma voz
meio afônica, quando todo mundo estava devidamente sentado. – Meu nome é Carlos
e nós vamos trabalhar com leitura e produção de texto. Não apenas para que
vocês saibam adequar bem a escrita e refletir a leitura, mas principalmente
para que estejam aptos a realizar o artigo científico de vocês no final do
curso. E já vamos começar com a prática simples de redigir uma carta, quero ver
como está a escrita de vocês antes de começar a procurar nortes para iniciarmos
nosso trabalho. Estejam atentos às normas que regem a carta e me entreguem uma
dirigida a quem quiserem até o fim da aula.
Ótimo!
Pensei comigo mesma. E quais eram as “normas que regiam a carta”? Eu não tinha
a mínima ideia! Minha prática textual na escola se resumia à textos
dissertativo-argumentativos dos quais eu não me saía normalmente bem no quesito
“aponte soluções para o problema”. Escrever uma carta não era difícil para mim,
mas e quanto as tais normas? Pensei por vários minutos antes de começar, se eu
tinha que escrever alguma coisa faria ao meu modo, afinal ele só queria ver
como estava nosso “nível” de escrita, queria testar o que já sabíamos e seu eu
não tinha ideia das normas que regiam a carta, nada mais justo que demonstrar
isso na prática. Abri uma página em branco do caderno e pensei por um instante
para quem poderia escrever, depois de ponderar imaginei que queria escrever
para o meu melhor amigo que havia morrido há pouco tempo, era meio ridículo,
mas era o que eu queria fazer, a caneta começou a deslizar livre pelo
papel enquanto as palavras fluíam na minha mente e eu tentava reprimir as
lágrimas que ameaçavam cair.
Santa Rita, 27 de Agosto de 2012.
Querido Davi,
Quantas cartas eu já
te escrevi? Foram tantas que eu perdi a conta de verdade (risos), mas eu sei
que você adorava relê-las. Ainda me custa entender o que aconteceu com você,
foi tudo tão brusco e repentino queparece um pesadelo do qual eu tento acordar à
todo segundo. Lembra quando nos encontramos a última vez na pracinha e
conversamos? Você havia me dito que as coisas estavam melhorando, tinha acabado
de conseguir um emprego melhor e finalmente as coisas passariam a se acertar,
me senti ridícula por minha maior preocupação ser as notas da última música que
você tinha me mandado ouvir, como você sempre dizia eu tinha a cabeça em um
mundo de sonhos que precisava se conectar com o mundo real, mas eu tenho tanto
medo do mundo real que prefiro viver me enganando a acordar.
Agora, que você não
está mais aqui para me mostrar essas coisas, eu me pergunto o que vou fazer
quando as coisas perderem o rumo e o sentido já que eu não posso mais ligar
para você e pedir que me encontre na praça em meia hora (e você nunca chegava
na hora certa, não era?). Eu me sinto tão perdida sem você, queria que soubesse
que consegui entrar na faculdade, que completei aquele livro que você tinha
começado a ler e me mandara mudar o nome da personagem principal para Alissa
“porque era mais massa”. É tão ridículo, mas eu ainda choro muito quando me
lembro de você, seu energúmeno. Estou querendo chorar agora, mas me lembro de
que você me repreendia sempre que eu fazia isso... Dizia que chorar não mudaria
as coisas, que se eu quisesse vencer meus fantasmas precisava erguer a cabeça
por mais assustada que estivesse. Você foi o meu melhor amigo, Davi, como posso
seguir sem você? Sei que tenho a Amberly, mas ela não me entende como você me
entendia, e nem sabe o quão bom é ouvir Cry for the Moon enquanto tenta
entender uma matéria complicada ou escrever uma redação difícil. Você me
ensinou isso... Me ensinou a não ter medo de mim mesma e quando eu sinto que
vou fraquejar, eu canto. Você gostava da minha voz, se lembra? Não quero deixar
você ir embora, e sei que você não vai mais aparecer, nem mesmo para me
assombrar. Um dia vou te encontrar no paraíso e reclamar por isso.
Sinto sua falta, seu
ex-cabeludo irritante!
Laura.
Respirei
fundo e arranquei a folha do caderno, levou os dois lados completos, eu não
tinha ideia se estava ou não nos tais “requisitos” da carta, nem mesmo sei se
queria mesmo entregar aquilo para o professor Carlos lesse aquilo, mas não
conseguiria pensar em outra carta e não me sentia com disposição para continuar
escrevendo. Olhei em volta e vi que toda a sala estava concentrada, alguns
tentavam ainda pensar para quem escrever, enquanto o professor lia um livro
sobre literatura hebraica, sentado confortavelmente na cadeira atrás do birô,
me senti meio idiota e relutei em ser a primeira a entregar o trabalho, mas o
fiz assim mesmo e quando me ergui senti todos os olhares se voltarem para mim.
- Terminou, querida? – O professor perguntou
com um sorriso. – Muito bem!
Ele falou e mal pude
ouvi-lo quando entreguei-lhe a folha assinada e voltei para o meu assento
ignorando completamente os olhares curiosos e inquisidores e tentando me
concentrar na música que tocava a todo volume nos fones de ouvido: Making a
final judgement/ Based on your bias Will never bring you forward/ Terror should
never guide you/ For even the fearful can take a beating in the end. Refleti
as palavras por um instante enquanto as traduzia mentalmente: Fazendo um
julgamento final/ Baseado em seu viés nunca irá levá-lo para a frente/ O Terror
nunca deve orientar você/ Pois mesmo o medo pode levar uma surra no final. Nunca
a letra de uma música coube tão perfeitamente com um momento como naquele
instante. E tem quem diga que rock é coisa do diabo. Enquanto eu sorria
internamente com aquele pensamento percebi o olhar indescritível do professor
Carlos na minha direção e soube que ele havia lido minha carta, desejei naquele
momento ter escrito para Amberly, provavelmente eu não estaria encrencada.