segunda-feira, 19 de julho de 2021

[Livro] O livro do cemiterio


Título Original: The Graveyard Book

Autor: Neil Gaiman

Ano: 2008

Páginas: 336

Sinopse: Para Ninguém Owens, criado desde bebê por fantasmas e seres de outro mundo, a morte é apenas a morte e o perigo está na vida, do outro lado dos portões do cemitério. Lidar com os vivos é a lição mais difícil que o menino terá de aprender. Tão difícil quanto crescer.

"As coisas florescem no tempo devido. Elas brotam e dão botões, florescem e desaparecem. Tudo em sua hora."

Em uma noite tenebrosa, a família de um garotinho é brutalmente assassinada por um homem chamado Jack (que na hora eu pensei que era o estripador, mas não era hahaha). Contudo, o destino encarrega-se de salvar um dos membros, um menininho de um ano que acaba saindo do seu berço e, contrariando o perigo, sai caminhando pela noite escura até um velho cemitério considerado patrimônio da cidade. Lá dentro, na companhia dos fantasmas de eras esquecidas, ele é acolhido e salvo da morte por um casal de idosos de sobrenome Owens e um misterioso homem que ludibria seu assassino e o tira do cemitério após a súplica desesperada do fantasma de sua mãe.

Sem saber o nome do menino (porque a mãe dele não disse), ao lhe conceder a liberdade do cemitério, sua nova família inumana lhe nomeia Ninguém Owens. Silas, o estranho homem, se dispõe a ser seu guardião e todos no cemitério o adotam como uma parte da família fora do comum que habita ali. Conforme vai crescendo, Nin, como passa a ser chamado, é instruído por seu guardião e os demais fantasmas habilitados, em línguas, história e assuntos de fantasmas, lhe é ensinado coisas como desaparecer (literalmente), ver no escuro, atravessar coisas, mas nunca, sob hipótese alguma, ele pode deixar as dependências do cemitério.

Nin foi crescendo como uma criança quase normal, fazendo perguntas sobre tudo, desconhecendo o seu passado e, cada vez mais perto da morte, apreciando cada momento da vida. Contudo, um dia, Scarlett acontece.  Ela era uma menininha de cinco anos que havia se mudado com os pais que eram professores universitários. Os dois se tornam amigos e, em uma de suas brincadeiras, vão explorar um túmulo muito antigo e afastado no topo de uma colina, mas algo acaba dando errado e os pais de Scarlett, mortos de preocupação, a proíbem de voltar ao cemitério e logo saem da cidade.

A perda da amiga tem um pequeno impacto sobre Nin que, conforme vai crescendo, com ele aguça a curiosidade sobre o mundo além do cemitério e os segredos que permeiam seu passado. Silas, notando que o conhecimento do cemitério já não satisfaz seu pupulo, decide então que ele está pronto para ir à escola regular, mas o adverte a não chamar atenção para si mesmo e passar o tempo inteiro despercebido. Mas a natureza corajosa e generosa de Nin se sobressai quando ele descobre que um casal de encrenqueiros está intimidando as crianças pequenas da escola e uma enorme confusão recai sobre ele, sobrando para Silas ajudá-lo a escapar do foco das pessoas, com isso, a aventura na escola termina.

O assassino de sua família ainda está a solta, Nin está ávido por respostas e a volta de Scarlett à cidade pode acabar sendo o estopim para um confronto final entre os antigos inimigos. Uma organização de assassinos está disposta a pôr um fim na vida de Nin que precisará mais do que nunca da liberdade e do conhecimento do cemitério para conseguir salvar a si mesmo - e à Scarlett - do mesmo fim que sua família teve.

Quando você começa a ler esse livro ele parece ser um tenso suspense policial. Contudo, logo depois das quatro primeiras páginas, ele ganha um ar de conto dos Grimm. A narrativa é muito pesada, tem uma atmosfera tenebrosa e o mais impressionante é a maneira como Gaiman consegue fazer isso soar... mágico, na ausência de uma palavra melhor. Em nenhum momento somos realmente chocados com nada, e a fantasia é tão sutil que por vezes esquecemos que ela está lá. 

A história é dividida em oito partes que acompanha diferentes estágios da vida de Nin e, conforme ele vai crescendo e se desenvolvendo, nós vamos igualmente crescendo com ele, aprendendo juntos sobre a vida e o passado daquele cemitério e seus habitantes, enquanto somos interconectados com os mistérios que cercam o passado de Nin, as razões de ele estar sendo caçado e igualmente a aura curiosa que cerca seu tutor, Silas, uma criatura que o autor vai nos dando pistas sem nunca revelar claramente o que ele é (e cheguei a conclusão que ele é um vampiro).

Mas é claro que, como um livro de Gaiman, a história vai muito além do que mostra a superfície e é cheia de referências, metáforas e morais. Minha favorita, dentre todas, foi a referência à Danse Macabre  uma alegoria da Idade Média sobre a universalidade da morte, ela me remeteu imediatamente à composição maravilhosa do compositor Camille de Saint Saëns de mesmo nome e li esse capítulo enquanto ouvia essa peça. Outra coisa muito legal é que lemos uma história inteira sobre morte sem ter uma carga pesada em torno dela, com a sutileza, leveza e delicadeza que apenas Gaiman podia empregar.

O livro do cemitério é uma história sobre a vida, a morte, a amizade e, sobretudo, a força inerente em todos nós, como somos autores do nosso destino e não vítima deles, a forma como as nossas escolhas moldam nosso caráter e, até mesmo, um pouco de determinismo implícito ali no meio. Achei o livro fantástico e, ainda que seu final seja um tanto agridoce, foi muito pertinente com toda a situação criada, deixando apenas aquele gosto de saudade da jornada de Nin que, ao contrário da sua família adotiva, estava apenas no começo. É um livro de fantasia que não parece fantasia e uma verdadeira aula de escrita criativa dada por esse mago das palavras que é Neil Gaiman. Maravilhoso!



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