quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

[Livro] Hamlet

Autor: William Shakespeare

Publicação: 1603

Gênero: Tragédia

Sinopse: A peça, situada na Dinamarca, reconta a história de como o Príncipe Hamlet tenta vingar a morte de seu pai, Hamlet, o rei, executado por Cláudio, seu irmão, que o envenenou e em seguida tomou o trono casando-se com a rainha. A peça traça um mapa do curso de vida na loucura real e na loucura fingida — do sofrimento opressivo à raiva fervorosa — e explora temas como a traição, vingança, incesto, corrupção e moralidade.


Não vou fazer nesta resenha uma pose de loquaz conhecedora e analisar as profundidades das camadas infinitas desta joia da literatura mundial, mas, recolhendo-me à minha insignificância de intelecto e reconhecendo minhas limitações, farei minhas observações sobre a história sem pretensões, visto que me faltam bases para discorrer de maneira profunda a um texto tão rico em análises de várias óticas. Dito isso, comecemos.

Embora, creio eu, todos conheçam alguma adaptação de Shakespeare por algum viés, ou ao menos já ouviu falar sobre sua obra mais difundida, Romeu e Julieta, poucos encaram o desafio de ler, factualmente, suas peças dada a complexidade de seu vocabulário. Não posso, de maneira alguma, censurar suas hesitações, encontro-me aqui, na casa dos "inta" e apenas agora dispus-me de coragem o bastante para encarar esta peça que, há muito me interessava, mas que julgava-me incapaz de ler e compreender em sua totalidade. Bem, não estava errada.

O que despertou em meu coração o real desejo de ler Hamlet e conhecer a história por trás de seu famoso discurso filosófico "ser ou não ser" foi a ópera. Sim. A adaptação de Ambroise Thomas que tocou-me o mais profundo dos sentidos e virou-me ao avesso a razão com a irretocável interpretação de Natalie Dessay dando vida à Ofélia, abandonada em sua loucura às margens do rio insano da perda e da rejeição. Infeliz Ofélia em cujo desvario desesperado encontrei poesia e empatia encarando as notas agonizantes de uma das maiores intérpretes do cenário erudito na modernidade, opinião pessoal desta humilde leitora. Tendo em vista que o libreto da peça é escrito em Francês, língua sobre a qual tenho parco conhecimento, me veio o desejo de entender mais profundamente os conflitos musicados em tela e a razão para o desfecho tão sombrio que se abateu sobre as personagens que, por duas horas inteiras, prenderam minha completa atenção na gênese de minha terceira década.

Vamos à história. Hamlet, nobre príncipe da Dinamarca, vê-se preso pelo luto da morte de seu pai, rei de mesmo nome, e atacado pela dúvida a respeito de sua morte em suspeitas circunstâncias. Acontece que seu tio, não tinha sequer dois meses da morte do irmão, reivindicou para si a coroa e a viúva, no que o jovem príncipe vitimado pelas auguras da dor, não raciocinava completamente, mas tecia em seu íntimo conjecturas a respeito. Deu-se que, próximo à meia noite, guardas de vigia em determinada área do castelo avistam sombra suspeita que assombrosamente assemelha-se ao finado rei em suas vestes marciais a vagar triste pelas terras antes pertencente a ele. Intrigados com o fenômeno, seguem até seu príncipe a fim de relatar o ocorrido e, tendo por testemunhas oculares os presentes, segue-os Hamlet para atestar por si mesmo os fatos.

Eis que surge a sombra e relata-lhe a verdade sobre a morte que cedo usurpou-lhe a felicidade de que desfrutava em nome da inveja e ganância de seu próprio sangue. Atordoado com a revelação, Hamlet jura ao pai que o vingará. A partir desse momento, determinado a atingir seu propósito, forja sua própria loucura e, um a um, afasta de si aqueles que dispunham outrora do seu afeto sincero, como Ofélia, filha do conselheiro real Polônio, e irmã de seu bom amigo Laertes, por quem antes demonstrava interesse, mas de quem se afasta em nome do seu propósito, ainda que soubesse ser recíproco o que sentia, afirmando que nunca a amara. 

Após convencer a todos da ausência de sua razão, Hamlet planeja uma forma de expor o usurpador do trono de seu pai e usa para isso uma peça de teatro. Seu tio e mãe, preocupados com seu estado, convocam à Dinamarca dois de seus amigos de estudos com o intuito de descobrir o que se passa com o príncipe, como maneira de alegrá-lo, os dois trazem uma trupe de atores e é nesse momento que a ideia surge, Hamlet conversa com um deles e lhe instrui a alterar uma famosa peça que deve ser apresentada com eloquência diante da corte. Ao ver seu crime exposto diante de si, o rei é traído por seu autocontrole e percebe que o sobrinho já sabe o verdadeiro motivo da morte do pai e, assim, precisa ser eliminado.

De início, ele trama com os dois amigos do príncipe para escoltá-lo até a Inglaterra onde, sob suas ordens, ele deverá ser executado pelo rei inglês. A mãe de Hamlet manda chamá-lo após o espetáculo armado pelo filho que encolerizou seu esposo, ele então a acusa de incesto e desonra à memória de seu pai. Polônio, que estava escondido no quarto para escutar a conversa e relatá-la ao seu soberano, acaba denunciando sua presença e sendo morto por Hamlet que, diante de tal crime, decide adiar por hora a vingança e aceita o exílio na Inglaterra, pelo menos até descobrir o que seu tio tinha planejado para seu futuro.

Ofélia, diante da morte do pai e da partida do amado, enlouquece, declamando poemas antigos e canções folclóricas, ela demonstra saber a real natureza da morte de seu pai e o rei teme que venha à tona. Nesse entremeio, Laertes retorna ao reino, enfurecido e clamando o sangue daquele que ceifou a vida de seu pai, o rei lhe conta a verdade e constrói cruel plano para que ele concretize sua vingança. Hamlet, que envia os falsos amigos à Inglaterra com uma falsa carta que garantiria suas execuções quando lá aportassem, retorna ao reino para vingar-se de seu ardiloso parente, qual surpresa lhe assola quando descobre a morte de Ofélia e, resignado à amargura e culpa, aceita não ter mais nada a perder e, num trágico conflito, encara seu inimigo.

"Recordar-me de ti? Sim, sombra infeliz, enquanto a memória não me abandonar este meu cérebro desordenado. (...) quero varrer da minha memória todas as recordações frívolas, todas as máximas colhidas nos livros, todos os vestígios, todas as impressões do passado, tudo quanto a juventude e a observação coordenaram, e em sua vez dar só lugar, sem rivais, juro-o pelo céu, aos teus preceitos."- Ato I, Cena V

Como já bem dizia o  filósofo Seu Madruga "A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena." pode-se dizer que este livro é a demonstração clara desse provérbio, perdido na obsessão de sua vingança, Hamlet destrói a si mesmo e a todos à sua volta. A revelação da morte do seu pai o faz refletir sobre várias coisas enquanto, lentamente, sua loucura fingida converte-se em insanidade cega pelo ódio.

No início, por ser escrito em forma de peça, achei que demoraria a me entrosar na história, que seria difícil até entender os acontecimentos, mas a estranheza durou muito pouco, anda no começo do primeiro ato percebi que embora o estilo fosse diferente ao qual me habituara, a compreensão não era, de forma alguma, comprometida. E se algo veio a dificultar minha compreensão em alguns momentos foi a linguagem arcaica da tradução portuguesa desta edição. Todavia, não tive tempo de procurar uma edição brasileira confiável da obra. Ainda assim, não há como não ficar encantada pela lírica espetacular de Shakespeare, a profundidade magistral de suas personagens e a complexidade de sua trama que abarca reflexões sobre a vida, a morte, a conduta humana e a espiritualidade.

"Quem se resignaria a suportar gemendo o peso de uma vida importuna, se não fosse o receio de alguma coisa além da morte, esse ignoto país do qual jamais viajante regressou? (...) Que vantagem haverá, pois, que seres como eu se rojem como repteis entre o céu e a terra? Todos somos infames, não te fies em nenhum homem;" - Ato III, Cena I

Hamlet, com sua intelectual loucura vingativa, pode ser descrito como uma espécie de anti-herói, um predecessor menos tirano, mais loquaz e sagaz de Heathcliff. Apesar de tudo, a gente se vê torcendo para que sua empreitada dê certo conforme a personalidade corrupta de seu tio se descortina diante de nós. O final, como é de conhecimento quase geral, é a tragédia, resultado dos arroubos cegos de uma alma dominada pela mágoa e desejosa de vingança. Ofélia, por sua vez, representa o arquétipo da donzela romântica trágica que, ao contrário de outras heroínas de Shakespeare, tem pouco protagonismo além do padecer da loucura apaixonada que a leva ao fim sombrio.

"Neste mundo corrompido, a iniquidade pode a preço de ouro desviar o curso da justiça, e com o produto do crime comprar a impunidade, mas o céu é justo, todo o subterfúgio é inútil; ali os nossos atos são justamente avaliados e os nossos crimes conhecidos."  Ato III, Cena III

"(...) neste mundo sórdido e venal a virtude deve implorar o perdão do vício e pedir o favor de fazer o bem." Ato III, Cena IV

Apesar de ter sido escrito em aproximadamente 1600, Hamlet segue atual como nunca, explorando a corrupção, a sede de poder e a superficialidade das relações humanas que se fiam em benefícios e não sinceridade. É um livro que te leva a questionar sobre o que nos torna o que somos, como nossas ações refletem no mundo ao nosso redor, qual o sentido de estarmos aqui? Como disse no começo, não vou entrar no mérito de tentar buscar referências filosóficas, psicológicas ou psicanalíticas no livro, pois me falta embasamento científico e teórico para tal. Ainda assim, é uma história fascinante para os amantes de um bom romance histórico, para os pensadores e estudiosos da psique humana e para todos que gostam de uma história bem montada com personagens fascinantes. Mais que recomendado!

A Ópera

Compositor: Ambroise Thomas

Libretto: Michel Carré

Ano: 1868

baseada na adaptação francesa de Alexandre Dumas e Paul Meurice da peça original.

Como disse antes, foi a peça de ópera que despertou em mim o desejo de ler esse livro, mais precisamente a apresentação no Théâtre du Châtelet, em junho de 2000 com direção musical de Michel Plasson contando com Thomas Hampson (Hamlet), José van Dam (Claudius), Natalie Dessay (Ophélie), Michelle de Young (Gertrude) nos papéis principais.

Para a composição dessa ópera, foi usada a adaptação francesa da peça porque era o que estava mais em alta na França daquela época, além disso, para adaptar uma peça em ópera deve-se fazer vários cortes devido ao tamanho, uma ópera muito comprida fazia os espectadores perderem o interesse, desse modo, na adaptação, as subtramas foram tiradas e a peça foca-se exclusivamente no romance entre Hamlet e Ofélia, além das consequências do crime de Cláudio sob o príncipe da Dinamarca.

A peça de cinco atos foi apresentada pela primeira vez na Ópera de Paris em 9 de março de 1868. Ao contrário das outras óperas que, em geral, vi duas ou três versões da peça com diferentes sopranos, nesta vi apenas duas versões com Natalie no papel de Ofélia, mas a versão de 2000 segue sendo sua melhor performance, essencialmente por ela estar no seu auge e, posteriormente, próxima de largar o mundo da ópera por causa de problemas na voz, ela não entregou uma performance tão potente na sua despedida do papel em 2011.

Embora o cunho da ópera seja mais romântico que o intuito real da obra original, vale muito a pena assistir, além do final ser diferente da peça de Shakespeare, me vi completamente fascinada pela ópera, as interpretações espetaculares, principalmente de Natalie na mad ária do quarto ato, uma interpretação irretocável e a melhor da cantora desde sua estreia na opinião desta leitora. A ópera está disponível completa no Youtube.



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