Como 2018, para mim, foi praticamente um grande capítulo de horror na minha vida, me senti dentro de um filme trash, então, nada mais justo que terminá-lo com um livro de terror que ilustra bem o pesadelo que estou vivendo e o que me aguarda a partir de 2019 com essa nova "presidência" diabólica do nosso idiota do ano.
Provável que eu não termine esse livro esse ano ainda, não sei, mas conforme for lendo os contos vou resenhando aqui, até porque eles não são nem um pouco pequenos. É quase como pequenos livros compilados em um livro só.
Minha atenção para esse livro aconteceu por causa do primeiro conto, 1922, cujo trailer vi por acaso. A coisa é que eu queria saber se ele era violento demais para que pudesse assistir depois então, descobri que o filme era baseado num conto desse livro e já fui atrás logo pra ver como era. Depois de ler Cujo eu já tinha uma ideia da escrita crua do King então lia sempre sem comer (sábia decisão).
Em 1922, Wilfred James matou sua esposa. E se você pensa que isso é um spoiler vou te dizer que ele mesmo afirma isso nas primeiras linhas do conto logo de cara. Nessa época, ele vivia com Artlete, sua esposa, e o filho do casal, Henry que era apaixonado pela filha do fazendeiro vizinho. Arlete havia herdado cem acres de terra fértil e queria vendê-las para uma empresa que lidava com matadouros de porcos, Wilf, claro, era contra. Ele queria ficar com as terras e plantar nelas para obter mais lucros, odiava a cidade mais que qualquer outra coisa e tampouco queria que seu filho crescesse naquele "lugar para idiotas" como chamava a cidade.
Assim, ele decide fazer a cabeça do filho Henry de 14 anos para, juntos, assassinarem Arlete. Lógico que o garoto reluta no começo dizendo que aquilo era errado e que ela era mãe dele, assim, Wilf continua atiçando o garoto contra a mãe e a ideia de viver na cidade até que, certa noite, após ele embebedar Arlete e ela acabar batendo em Henry após dizer algumas coisas, o garoto aceita participar do crime com o pai. Quando a mulher está desacordada por ter bebido demais, Wilf pega uma faca na cozinha e, após cobrir o rosto da esposa, corta a garganta dela. Como a ação provoca mais barulho do que o esperado, o garoto acaba passando mal e, nas tentativas nervosas de fazer a esposa parar, Wilf tenta cortá-la de novo, mas acerta tudo, menos o pescoço.
Na bagunça de sangue e com o cadáver ainda quente sobre a cama, os dois se desfazem do corpo jogando-o num velho poço na fazenda e limpando toda a casa com minúcia para que o crime não fosse descoberto. Inclusive, Wilfred pensa em cada mínimo detalhe para vender a história de que a esposa abandonou o lar, chegando a encher uma valise com as roupas favoritas, jóias e a foto dos sogros e jogando dentro do poço junto com o colchão ensanguentado. Apesar de instável, Henry - que agora quer ser chamado de Hank - lida com o crime de maneira instável. Seu humor começa a oscilar, mas na frente de outras pessoas ele age com uma naturalidade assombrosa, chegando a atuar brilhantemente a "partida" da mãe. E tudo parece conspirar a favor dos dois, mesmo com a desconfiança do advogado da empresa que queria comprar as terras de Arlete, o xerife acredita verdadeiramente na história de Wilf incapaz de imaginar que ele mataria a esposa.
Com a ausência da mãe, Henry começa a preencher a falta direcionando seus sentimentos ainda mais para Shannon Cotterie a filha do fazendeiro vizinho de Wilf, Harlan Cotterie. Os dois eram namoradinhos de longa data e o envolvimento dos dois se intensifica embora a garota comece a perceber que o menino está estranho. Henry é um ano mais novo que Shannon e, como todo o garoto de sua idade, está passando pela complicada transição infância-juventude, chamada adolescência. Para complicar a vida de Wilf ainda mais, o filho acaba engravidando Shannon cujo pai fica uma fera e promete mandar a menina para longe com o intuito de esconder a gravidez e dar a criança para adoção logo após nascer, algo que Henry não está disposto a aceitar. Além disso, parece que Arlete não está tampouco disposta a deixar o marido se safar do crime que cometeu, mesmo que o resto do mundo não venha a descobrir seu real paradeiro.
1922 é aquele tipo de história que você tem que ir lendo aos pouquinhos e parando para se distrair com outras coisas se você é uma pessoa ansiosa ou que "encabeça" as coisas, sabe? Do tipo que não esquece nada ou se impressiona muito fácil. Como disse antes, a linguagem do King é muito crua e ele não poupa detalhes nas descrições o que, em certas ocasiões, embrulha o nosso estômago e acredito que livros de terror têm de fazê-lo mesmo. Henry é a personificação do adolescente conhecendo a rebeldia que é "corrompido" pelo crime e acaba caindo na teia de uma coisa puxa a outra, tudo levado pela influência meio errônea de um pai ganancioso. Wilfred é machista, invejoso, rancoroso e cego pela ganância, tudo isso motiva-o a cometer o crime contra Arlete. Talvez pelo ano em que a história se passa, pelo que entendi na narrativa, as mulheres nos EUA nem direito a voto não tinham ainda, então é natural enquadrar o personagem nesse aspecto mais paternalista, mas acredito que ainda hoje, não só nos EUA, mas no mundo inteiro, os "homens coniventes" continuam existindo na maioria dos homens, em especial nos tidos "cidadãos de bem".
"A esposa cuja doce resposta diante de qualquer tipo de problema seria: 'o que você achar melhor, querido'. Mulheres, prestem atenção: uma esposa como essa nunca precisaria temer sangrar pela garganta até a morte." (Wilfred sobre a esposa de Harlan Cotterie).
Bem, temos aqui a imagem clara do homem machista que quer uma empregada/escrava sexual que era como ele tratava a esposa. Na verdade, acho que a ideia de matá-la ao invés de dar o divórcio a ela não foi somente pelo fato de ela não querer lhe dar as terras que lhe pertenciam, mas, lá no fundo, o fato de ela confrontá-lo, de não abaixar a cabeça para ele e se submeter aos seus caprichos e vontades. Arlete sabia o que queria e não deixaria que ele lhe manipulasse ou subjugasse em relação ao seu desejo de ir para cidade e abrir o próprio negócio.
Não posso afirmar (porque não sou formada em nenhuma área de psicologia) que Wilfred tem algum transtorno de dupla personalidade, mas achei bacana levantar a questão. Por vezes ele assume que o tal 'homem conivente' é que o controla e dita suas ações, fora ele que matara Arlete e lhe dissera como mentir para todas as pessoas de maneira fria. Pelas ações dele, não o classificaria como um psicopata (mas como disse, não posso afirmar) ou mesmo um sociopata, acho que, como muitos "cidadãos de bem" de exemplo no nosso próprio país mesmo, ele era apenas um homem cego pela ganância que queria, a todo custo, ser tão rico e bem sucedido como seu vizinho Harlan Cotterie, mas os meios para consegui-lo acabaram tornando-o o que ele findou, um homem perseguido pelo passado e imerso numa loucura da qual nunca conseguiu sair. Acredito que, nos anos que sucederam a morte da esposa e a fuga trágica do filho, ele começou a se tornar esquizofrênico ou dar sinais disso tanto é que, no relato final do livro, dá a entender que muito do que aconteceu durante a história girou apenas dentro da sua mente perturbada.
E com isso fica aqui a primeira parte da resenha de Escuridão total e sem estrelas, até a próxima!
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