terça-feira, 23 de junho de 2020

[Livro] O Bom Filho

Original: 종의기원 rr: jong-uigiwon lit. origem
Autora: You-Jeong Jeong
Ano: 2016
Gênero: Thriller, Suspense, Mistério
Páginas: 288

Sinopse: Jovem nadador com um futuro brilhante, Yu-jin vê sua carreira interrompida pela epilepsia. Numa manhã qualquer desperta sentindo cheiro de sangue. Tudo indica que tenha sofrido um ataque epiléptico, mas, ao percorrer o apartamento, encontra o corpo da mãe. Aos poucos, sua memória vai voltando, e ele lembra de tê-la ouvido chamar seu nome, embora não saiba se ela pedia ajuda ou se tentava salvar a própria vida. Começa assim a busca desesperada para esclarecer o que ocorreu, mas o passado esconde armadilhas mais tenebrosas do que ele pode prever.

A história é narrada por Yu Jin, um nadador promissor cuja carreira foi interrompida pela epilepsia, não sendo o bastante (porque quando a vida escolhe bater, ela garante que você não levante por um bom tempo) seu pai e seu irmão mais velho morreram de uma forma que, a princípio, não sabemos. Yu Jin era muito apegado ao irmão, Yu Min, e agora, aos 25 anos, ele luta contra sua condição para se livrar dos grilhões superprotetores de sua mãe.

Há vezes em que ele para a medicação  para "sentir a mente agir em seu instinto primitivo", logo, fica claro que não é apenas epilepsia o problema que o jovem precisa lidar. Ele é atendido pela tia que é psiquiatra e, pela sua narração, é bem na cara que ele tem algum desvio de personalidade.

O livro começa com ele acordando coberto de sangue e sem lembrar nada do que aconteceu nas últimas horas. Há manchas de sangue pelo corredor, suas roupas, o colchão e meias estão duros de sangue seco. Investigando a casa, Yu Jin descobre que sua mãe foi brutalmente assassinada. Ela está no chão da cozinha com a garganta horrendamente aberta.

De início, o choque o deixa irracional, em especial porque ele não lembra de nada que aconteceu, então passa a criar teorias a espeito, até encontrar a arma do crime em seu próprio quarto: uma navalha que pertencera ao seu pai. As memórias do ocorrido retornam à sua mente e Yu Jin descobre da pior forma o que aconteceu.

Desesperado, ele debate por longo tempo sobre o que deve fazer, mesmo que se lembre do que houve, não sabe o que levou sua mãe a agir daquela forma então, decidido a encontrar as respostas, ele esconde o cadáver dela antes de seu irmão adotivo chegar em casa e corre atrás das respostas.

Yu Jin consegue despistar o irmão adotivo e a tia a respeito do paradeiro da mãe, dizendo que ela saíra em um retiro espiritual (a mãe dele era católica) então começa a emergir numa espécie de paranoia entorpecida enquanto se desfaz dos últimos vestígios do ocorrido. No quarto da mãe, ele encontra uma espécie de diário no qual ela estava registrando o seu comportamento desde que ele começara a tomar a medicação para epilepsia (e nesse ponto a gente começa a duvidar se ele tem essa doença mesmo). Conforme revisita alguns acontecimentos no diário da mãe, começa a levantar teorias e descortinar sua memória para os eventos que culminaram naquele macabro desfecho.

Entre a cruz e a espada, o jovem não sabe que decisão tomar para lidar com as descobertas que faz, se foge ou se entrega. Ele admite para si mesmo que uma parte de si sempre soube que era "diferente" e apenas flertava com o perigo porque era a única coisa que lhe proporcionava algum sentimento, já que a maior parte do tempo Yu Jin não sente nada. É totalmente apático.

Mesmo sendo um relato em primeira pessoa (e por isso não totalmente confiável) a autora tenta nos manter numa linha que demonstra a veracidade no relato do menino (e talvez não sobre tudo), iniciamos o relato tão no escuro quanto ele e é junto com ele que vamos desvendando os horrores do passado e a construção e desconstrução do seu mundo, vivenciando as experiências sob a ótica de sua mente perturbada. Nesse ponto, a narrativa enfatiza a questão da natureza psicopata, eles nascem assim e não tem reversão. Yu Jin nasceu em uma boa família, tinha uma vida estável, nada justificava seu comportamento e isso vinha desde sempre, arraigado em sua natureza, como no caso da morte do avô de seu irmão adotivo no qual ele revela não ter sentido nada, ou mesmo numa ida ao cinema em uma cena de massacre sangrento ele gargalhar por achar aquilo divertido e, pior, achar esse sentimento normal.

A maneira magistral como o livro foi montada o transforma em um thriller frenético e aterrorizante no qual imergimos no lado mais sombrio e perverso da mente humana, subjugada pelos instintos mais primitivos de um predador e, ao longo desse processo, refletimos sobre diversas coisas tanto a respeito do comportamento humano em si, mas sob a legislação que vigora no mundo em que essa condição não é tratada como um distúrbio mental e vemos tantos psicopatas livres de seus crimes em poucos anos ou nunca sendo pegos. O final do livro é meio revoltante, mas ainda assim a gente compreende que foi um fim bem realista, infelizmente, na maioria dos casos é exatamente aquilo que acontece.

Esse meu primeiro contato com a literatura coreana foi intenso, interessante e marcante. Num modo geral eu gostei bastante do livro, ele mantem a gente preso do início ao fim e seu personagem principal é monstruoso, mas ao mesmo tempo é fascinante mergulhar na mente de uma pessoa dessa. Descobrir todas as nuances e total ausência de moralidade. Se isso virasse um filme eu jamais assistiria, a experiência de ler já foi bem grotesca, mas super recomendo para os amantes de thrillers bem construídos e de tirar o fôlego. É interessante como, durante o processo, mesmo sabendo que ele está super errado, a gente consegue sentir a tensão que nos impulsiona a fugir, nosso instinto de sobrevivência pulsa conforme ele tece uma teia de possibilidades que podem levá-lo à cadeia na constante luta para não ser pego. Achei isso bem interessante (e bizarro), mas acho que as boas leituras são assim.





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