Título Original: Northanger AbbeyAutor: Jane Austen
Ano: 1817
Gêneros: Ficção gótica, Romance, Sátira, Romance de amor
Sinopse: “A Abadia de Northanger” é, sem dúvida, um dos romances mais elaborados da época – uma comédia satírica que aborda questões humanas de maneira sutil, tendo como pano de fundo a cidade de Bath. O enredo gira em torno de Catherine Morland, que deixa a tranquila e, por vezes, tediosa vida na zona rural da Inglaterra para passar uma temporada na agitada e sofisticada Bath do final do século XVIII. Catherine é uma jovem ingênua, cheia de energia e leitora voraz de romances góticos. O livro faz uma espécie de paródia a esses romances, especialmente os escritos por Ann Radcliffe. Jane Austen faz um eloquente contraste entre realidade e imaginação, entre uma vida pacata e as situações sinistras e excitantes que os personagens de um romance podem viver.
Esse era um dos livros de Jane que eu mais queria
ler porque, por alguma razão, achava sua adaptação realmente fascinante. Nele
conhecemos Catherine Morland, a heroína de Austen nesse romance que contrasta
muito com suas demais criações de forma bastante proposital, mas ainda assim
não deixa de nos causar alguma estranheza. Em primeiro lugar — e similar às
suas companheiras de criação — ela é de renda modesta quando comparada ao seu
interesse amoroso, mas diferente de Elizabeth Bennet ou Fanny Price, Catherine
não tem qualquer inclinação intelectual, mostrando-se não apenas uma típica e
tola adolescente de dezessete anos, mas com claro repúdio à instrução em si.
Mesmo Emma, que se achava autossuficiente e perfeita — por vezes até mesmo
depreciando a leitura — tinha alguma inteligência firmada e talentos típicos da
sociedade da época.
Num primeiro momento, essa diferença já nos aproxima
um pouco de Catherine e, com talvez a mesma intensidade, nos faz hesitar com
relação a ela. Crescendo numa família de dez irmãos, Catherine não demonstrava
interesse por atividades consideradas primordiais para as jovens da época como
pintar, desenhar, cozinhar, costurar, não tinha qualquer talento notável e não
gostava de estudar. Preferia jogar com os irmãos mais novos e, já no final da
adolescência, não tinha nada que realmente a destacasse, fosse no quesito
intelectual ou físico já que não era dotada de beleza estonteante, ainda que
não se pudesse considera-la feia.
O casal Allen, vizinhos e amigos íntimos da família
Morland, e de condições financeiras aceitáveis, vendo que a jovem menina estava
em idade de ser apresentada socialmente, levam-na para a temporada em Bath sob
sua tutela. Deslumbrada com a cidade comercial e cheia de atividades, Catherine
acaba conhecendo Isabella Thorpe que vem a se tornar sua melhor amiga e a
coloca no mundo sem volta dos romances góticos. Fascinada pelos Mistérios de
Udolfo, Catherine se entrega aos prazeres da imaginação e se deslumbra com o
ambiente sombrio dos livros enquanto desperta o interesse de John, o irmão de
Isabella e se apaixona por Henry Tilney praticamente à primeira vista.
Em uma teia de mal entendidos e com sua inocência
misturando realidade com ficção, Catherine Morland vai lutar pelo coração do
homem que ama ao mesmo tempo em que aprenderá que a confiança é um tesouro que
não deve ser distribuído sem precauções.
Desde que vi a adaptação cinematográfica da obra
muitos anos atrás, tinha em mente que era uma espécie de sátira, embora no
filme as críticas de Jane não sejam tão expressas de maneira tão escrachada
como são no livro. E essa foi uma das coisas que mais gostei, o olhar afiado da
autora que, mesmo enquanto critica os clichês e a previsibilidade do gênero que
explodira na época, não desencoraja seu consumo ao afirmar, através de seu
personagem Henry Tilney que “qualquer
pessoa, seja homem ou mulher, que não souber apreciar um bom romance deve ser
insuportavelmente estúpida” e ela reafirma essa certeza em seu personagem
Jonh Thorpe, irmão de Isabella, que despreza o gênero e é desprovido não apenas
de bom senso, mas de sagacidade e inteligência.
O antagonismo da obra fica por parte de Isabella
Thorpe e do general Tilney, pai de Henry. A primeira é a típica personagem
falsa e hipócrita muito comum nos livros de Jane como a irritante Lucy Steel em
Razão e Sensibilidade, por vezes me
via irritada com a cegueira de Catherine em relação a essa personagem quando
ficava bem na cara que ela era uma cobra, ainda mais quando Henry tentou
alertá-la disso e ela simplesmente se recusou a acreditar. Sério, era muito
irritante. No caso do General Tilney, tão hipócrita quanto Isabella, seu papel
de antagonista é menor, ainda que não menos incômodo, ao contrário de outros
“vilões” de Jane, bem mais no calibre de Willoughby, o general se encaixa na
categoria de personagens duas caras que figuram no papel de bom patriarca, mas
na verdade esconde um gênio opressor.
A língua afiada de Jane é bem mais aberta nessa
obra, talvez por não ter sido editada por ela — já que é um livro póstumo —,
que morreu antes de conseguir revisá-lo, nos damos conta de todas as liberdades
que ela tomava nas suas opiniões de forma mais “crua” na falta de uma palavra
melhor, mas em nada isso diminui a beleza ou a forma como esse livro é
gostosinho de ler. Além de que ela dá uma cara menos editada da sociedade da
época e ressalva sem rodeios e licenças poéticas a realidade de sua personagem
imperfeita o que só aumenta nosso prazer enquanto acompanhamos o crescimento
pessoal de Catherine.
Em relação ao mocinho da obra, Henry Tilney não é
tão doce quanto Edmund, ardente como Darcy ou tímido quanto Edward, mas não
deixa a desejar sendo um adorável personagem sensato no meio de uma teia de
maluquices e insensatez. Gostava muito da forma como ele era protetor com a
irmã sem ser machista, do modo como ele enfrenta o pai pelo que quer e,
sobretudo, da maneira bem humorada com que ele procurava agir mesmo quando ia
censurar a conduta de alguém. É impossível não se apaixonar por esse
personagem, equipara-se, inclusive, a Edmund um dos meus favoritos de Jane (e
Henry ganha ao se salvar de agir como um babaca cego por um rabo de saia).
Mesmo que Razão
e Sensibilidade continue ganhando como minha obra favorita de Jane, A Abadia de Northanger figura no meu top
3 não apenas por seu humor ácido, mas por seus personagens adoráveis ou
repulsivos. E poucos autores conseguem criar tão bem personagens como Jane.
Mais que recomendado.
Adaptações
Direção: Jon Jones
Ano: 2007
Elenco:
Felicity Jones
JJ Feild
Carey Mulligan
Como era de se esperar de uma adaptação literária, o filme tem sua glória como todas as excelentes adaptações da BBC, mas apela para os cortes muito significativos na trama do livro tirando alguns momentos importantes e pontuando outros de forma diferente do material original, claro que isso é compreensível em uma produção de pouco mais de uma hora e, mesmo o livro sendo curto se comparado aos demais, achei que o filme é sim fiel ao texto de Jane e abarca os principais pontos da obra.
O destaque, contudo, fica por conta das excelentes atuações de JJ Field que dá vida ao adorável e sensato Henry Tilney e Felicity Jones que foi maravilhosa como a ingênua (e por vezes desmiolada) Catherine, além de Carey Mullingan como a detestável e falsa Isabella. Eles conseguem não apenas representar de forma fiel suas personagens como as fazem soar naturais aumentando a verossimilhança com o leitor da obra.
Uma coisa que eu acho válido destacar são os "acréscimos" que o longa oferece e não são mostrados no livro como os devaneios de Catherine, que apesar de escritos pela autora são breves e não muito aprofundados e o plano de fundo de Isabella que fica apenas subtendido nas entrelinhas e no filme se torna bem mais claro o fato da sua ruína completa.
Gostei, inclusive, do fato do roteirista ter tirado as partes com o General Tilney que era quem acompanhava Catherine a maior parte da visita à abadia, eu achava ele um personagem muito incômodo. E a relação dele com a falecida esposa também foi modificada no filme, no livro Henry chega a afirmar que ele a amava, apesar de fazê-lo do jeito dele. Uma coisa de que senti falta e, dada as licenças que o longa tomou, poderia ter sido aproveitada era o plano de fundo de Eleonor, que fica um pouco mais aberto que o livro (no qual só é explicado de fato no final), mas que poderia ter ganhado alguns minutinhos de espaço aqui.
Ainda assim, nada tira a beleza e a delicadeza desse filme maravilhoso e tão gostosinho quanto seu livro. Fica a super recomendação para quem não viu.
Há um outro filme mais antigo desse livro, de 1986, contudo, não consegui encontrar para assistir então não posso tomar notas das minhas impressões.