Original: 告白 (kokuhaku)Autor: Kanae Minato
Gênero: Suspense, crime
Ano: 2008
Sinopse: O mundo da professora Yuko Moriguchi girava em torno da pequena Manami, uma garotinha de 4 anos apaixonada por coelhinhos. Agora, após um terrível acontecimento que tirou a vida de sua filha, Moriguchi decide pedir demissão.
Antes, porém, ela tem uma última lição para seus pupilos. A professora revela que sua filha não foi vítima de um acidente, como se pensava: dois alunos são os culpados. Sua aula derradeira irá desencadear uma trama diabólica de vingança. Narrado em vozes alternadas e com reviravoltas inesperadas, Confissões explora os limites da punição, misturando suspense, drama, desespero e violência de forma honesta e brutal, culminando num confronto angustiante entre professora e aluno que irá colocar os ocupantes de uma escola inteira em perigo.
A sinopse entrega o livro quase todo. Já tinha um tempo que esse livro estava no meu kindle, mas não tinha lido ainda e como esse ano estava procurando umas leituras mais diferentes, acabei colocando-o na meta. Foi meu primeiro contato com a Kanae, já tinha lido algumas outras autoras japonesas e, mesmo que no primeiro capítulo a forma de ela narrar tenha me soado um pouco estranha, o decorrer do livro é impecável e cheio de tensões e discussões.
Em uma das aulas de aconselhamento, a professora Moriguchi informa aos alunos que se demitiu da escola e, aproveitando que é seu último encontro com a turma de sétima série, conta para eles sobre sua trajetória como docente, as razões pelas quais se tornou professora e também sobre o percurso dela como mãe solteira nos preconceitos de uma sociedade excludente e preconceituosa. Manami, a filha de quatro anos da professora, morreu em um "acidente" quando caiu na piscina da escola e se afogou. O acontecimento abalou bastante a professora como era de se esperar, até ela descobrir que a filha não morreu por acidente, e revela, diante da sala inteira, que a pequena Manami foi assassinada por dois alunos da turma.
Apesar de chamar os assassinos de A e B, salientando a impunidade penal por eles ainda não estarem na faixa etária de serem condenados, a professora não faz questão de esconder nenhuma das pistas que dê aos seus alunos a certeza de quem são os assassinos da sua filha. E finaliza com uma notícia chocante da sua vingança: ela os infectara com uma doença autoimume incurável e fortemente discriminada na sociedade japonesa: a aids. Assim, Yuko Moriguchi encerra suas atividades na escola.
O livro então passa a ser narrado pelos demais personagens que compoem a trama, a representante da turma, os dois assassinos e a irmã de um dos assasinos, voltando, por fim, para a professora. Cada um dos relatos oferece uma face diferente dos personagens em questão e do trágico acontecimento além de mostrar o desenrolar da vida dessas personagens após o ocorrido. Nossa visão acerca dos assassinos se mofica conforme conhecemos sua trajetória e, mesmo que não corroboremos com suas atitudes, somos pelo menos capazes de compreender a gênese do seu mal.
A história acaba trazendo à tona discussões sobre o papel da família no desenvolvimento das crianças, não apenas de caráter, mas de moral. Hoje é delegado à escola um papel que é dever da família fornecer à criança e, se prestarmos atenção, de uma forma ou de outra vemos que os alunos tinham, em certo grau, uma família disfuncional. A professora salienta bem essa questão acerca da maioridade penal, dos problemas familiares que geram crianças indisciplinadas, da função da escola que precisa assumir também essa carga doméstica que não lhe diz respeito e do papel desses adolescentes em formação que se veem perdidos no meio da sociedade vitimados pela pressão psicológica e os valores que não receberam na escola doméstica.
Toda a construção do livro é não apenas inteligente, mas muito eficaz, quando a nossa visão das personagens é desconstruída no capítulo seguinte, nos vemos tentando entender todas as peças que montam o quadro geral e quando um personagem X que é tido por nós como um psicopata, apresenta seu histórico, começamos a perceber que ele foi construído daquela maneira e não nasceu com aquela condição como é o caso da psicopatia. E outro personagem, que não parece demonstrar qualquer sinal do transtorno, se descobre. É muito interessante. Todas as personagens do livro são fascinantes e bem construídas, o final então é de tirar o fôlego! Fiquei alguns minutos em choque.
Numa trama onde não há mocinhos nem vilões, mas apenas humanos, somos convidados a ser juízes e nos posicionarmos em um lado que discute internamente nossa ética, nossa moral e nossa visão de mundo e vemos como todos esses valores que nos condicionam são moldados e construídos pelo mundo que nos cerca, nossos círculos. É um livro incrível e super recomendo, contudo, a meu ver, há de se precisar certo cuidado, pois uma mente menos analítica pode acabar sendo influencia por certas subversões apresentadas por algumas personagens. Ainda assim acho uma leitura mais do que válida e muito atual!
Adaptação
Título: 告白
Direção: Tetsuya Nakashima
Elenco: Takako Matsu; Masaki Okada; Yoshino Kimura; Yukito Nishii; Kaoru Fujiwara
Gênero(s): Drama; Thriller; Mistério
Ano: 2010
Sinopse: No último dia de aula a professora ao se despedir revela que abandonará a profissão, e o motivo é a morte de sua filha de 4 anos há pouco tempo atrás. Ela revela que sabe que o afogamento da menina não foi acidental; foi assassinada, e os assassinos estão entre os estudantes daquela classe. Como a lei não permite a responsabilização de crianças menores de 14 anos por seus crimes ela anuncia que fará justiça com as próprias mãos.
Fiquei sabendo da adaptação quando fui pesquisar dados do livro, em geral não gosto muito de ver filmes baseados em livros porque sempre me irrito, especialmente de obras asiáticas como essa que contem uma carga considerável de violência, ainda assim fui atrás.
Contrariando meus temores, o filme não tem uma violência gráfica escrachada que o torna indigesto de ver, o diretor optou por deixar essa violência implícita nos detalhes o que, a meu ver, funciona muito melhor do que ficar exibindo carnificina de modo desnecessário só para chocar o expectador, especialmente em se tratando de um argumento como esse.
Mas nem isso serviu para livrar o filme de ser uma adaptação meio fraca do livro, isso porque a forma como o roteirista escolheu mostrar as "confissões" das personagens, aproveitando-se da narração em primeira pessoa do livro, não funcionou muito bem. o que acaba nos oferecendo um monte de personagens sem aprofundamento e, para quem não leu o livro, o filme pode acabar deixando lacunas e perguntas sem resposta.
Um exemplo muito bom dentro do argumento foi o personagem Naoki, ele ficou completamente descontextualizado, a maior perspectiva era da mãe dele e sem o embasamento do livro o personagem fica com um motivo realmente fútil e torpe para agir como agiu. Eles também mudaram alguns contextos e eventos da obra que carregaram significativamente o entendimento das atitudes de algumas personagens.
O final do filme, em destaque, é diferente do livro quando trata a professora Moriguchi apenas como uma mulher desequilibrada pela morte da filha que prega peças nos seus alunos como vingança quando, no livro, ela realmente faz o que fez. Essa ambiguidade do final destoou do tom criado na narrativa visual até então, tirou a credibilidade de boa parte do que foi visto e transformou a adaptação em uma espécie de Dom Casmurro, de maneira bem desnecessária.
Essa, ao menos, foi a minha percepção. E me refiro ao filme como uma adaptação e não como um material isolado. Se visto de forma independente, ele pode sim ser compreensível até certo ponto embora algumas pontas fiquem soltas para quem nunca teve contato com a obra.