sábado, 14 de maio de 2022

[Livro] Ofélia (+Filme)

Original: Ophelia

Autor: Lisa Klein

Ano: 2008

Páginas: 266

Publicação: 2019 (Brasil) 2006 (original)

Sinopse: Ele é Hamlet, o príncipe da Dinamarca; ela é simplesmente Ofélia. E, se você pensa que conhece a história dos dois, pense melhor. Uma releitura da famosa tragédia de Shakespeare.

Nesta releitura da inesquecível obra de Shakespeare, é Ofélia quem ocupa o centro da trama. Uma menina barulhenta e sem mãe, ela cresce no castelo de Elsinor e se torna a dama de honra mais confiável da rainha. Sedenta por conhecimento e espirituosa, além de linda, Ofélia aprende os caminhos do poder em uma corte onde nada é o que parece. Seu jeito chama a atenção do cativante príncipe Hamlet, e o amor entre os dois floresce em segredo. Mas maquinações sangrentas logo transformam a Dinamarca em um lugar de traição e loucura, e a felicidade de Ofélia é ameaçada ― ela se vê obrigada a escolher entre o amor de Hamlet e sua própria vida. Em desespero, Ofélia traça um plano arriscado para escapar de Elsinor para sempre… com um segredo muito perigoso. Em uma narrativa dramática e intensa de morte e intrigas, amor e perdas, Ofélia conta sua própria história extraordinária ― uma que você nunca ouviu, e que jamais vai esquecer.

"Queria ter sido autora de minha história, não apenas uma atriz na peça de Hamlet ou um peão no jogo mortal de Cláudio. Mas o que ganhei em conceber minha própria morte e escapar de Elsinor?"

E vamos falar de Ofélia!

Na corte de Elsinor, a pequena Ofélia nasce e sua mãe morre. Com a indiferença de seu pai e tendo por única companhia seu irmão mais velho, Laertes, ela cresce como uma criança cheia da liberdade que a pobreza proporciona e sem as correções que deveria ter uma dama. Já um pouco mais velha, na adolescência, seu pai contrata tutores para seu irmão e a coloca para ter aulas com ele. Ofélia, dona de uma mente curiosa e de fácil assimilação, se mostra uma aluna admirável e uma leitora ávida bem ao contrário do seu irmão. O pai de ambos, Polônio, só tem na cabeça conquistar seu espaço na corte e não liga para os filhos a menos quando estes se mostram uma ferramenta para alcançar seus objetivos. E, para bem — e mal — de Ofélia, ele consegue seu lugar ao sol na corte de Elsinor.

É lá que a jovem Ofélia conhece o príncipe Hamlet, um rapazote tanto quanto desinteressado em muitas coisas que não lhe dá qualquer bola, e também conhece Horácio, o silencioso e observador, mas gentil braço direito do príncipe. Não demora muito para que a jovem Ofélia ganhe a atenção de Gertrudes, a mãe de Hamlet, que a toma como uma dama. É na companhia da velha Elnora que Ofélia aprende como se comportar na corte dinamarquesa onde nada é o que parece. Gertrudes, inicialmente, não lhe dá muita atenção e ela se vê sozinha no meio de damas de companhia fúteis e bajuladoras além de receber o desprezo de Cristiana que faz de tudo para diminuí-la.

Todavia, apesar de não ser talentosa no bordado, na humildade ou na bajulação, Ofélia tem uma mente vivaz e conhecimento ao seu favor, podendo ler em Latim e francês com fluência e graças a essa inteligência ela conquista o afeto da rainha que começa a compartilhar com ela longas noites de leituras proibidas, assim, a jovem Ofélia fortalece mais sua mente através dos estudos e da leitura, se tornando não só muito inteligente, mas uma excelente e competente médica naturalista.

Quando o príncipe Hamlet retorna à corte após longo período estudando fora e viajando, ele encontra uma Ofélia bem diferente do que deixou para trás, a jovem menina descabelada e rebelde agora é uma jovem mulher de mente afiada e modos delicados. Ela conquista a atenção do príncipe por sua beleza sem retorques ou subterfúgios, mas, sobretudo, por ter uma mente tão vívida e incisiva quanto a dele próprio, uma jovem capaz de rebater suas críticas duras e posições inflexíveis com bons argumentos e embasamentos firmes. A paixão, dessa forma, é o curso natural de ambos, mesmo Ofélia sabendo que, na posição de príncipe, Hamlet é proibido para ela.

Tudo muda, entretanto, quando o rei Hamlet é assassinado e Cláudio sobre o trono casando-se quase imediatamente com Gertrudes para revolta do príncipe Hamlet. Sem mais impedimentos, ele pede Ofélia em casamento realizando uma cerimônia secreta. Por um momento, a jovem Ofélia acredita que tudo ficará bem, mas os augúrios do mal já se prenunciam na sua noite de núpcias quando o príncipe deixa o leito afoito em busca de alguém. Logo, as marcas da loucura começam a turvar a mente de Hamlet que conta à sua jovem esposa sobre a aparição do espírito de seu pai e a revelação de que foi assassinado pelo irmão, Cláudio, que usurpou seu lugar.

Ofélia se assusta com a condição de seu marido e tenta dissuadi-lo de todas as formas a abandonar a vingança, mas Hamlet está cego pelo ódio e abandona tudo, incluindo ela, em nome de vingar o assassinato do pai. Assim, vendo-se perdida, não resta à Ofélia outra saída senão escolher sua própria vida, ameaçada dentro do palácio e em um lugar onde não pode confiar em ninguém, apenas Horácio se mostra seu alento e chave para a fuga. Escondendo segredos e tendo de deixar para trás seu coração, ela vai precisar renunciar à vida que conheceu já que seu marido está perdido para ela. No triste desfecho da Dinamarca, Ofélia não vai ter outra saída além de reescrever sua própria história.

Quando li Hamlet, influenciada, como já mencionei na resenha da peça, pela ópera de Ambroise Thomas, já tinha em mente ler essa adaptação cuja existência conheci em uma resenha no youtube. Antes de falar sobre meu pequeno problema com esse livro, deixe-me discorrer brevemente sobre meu posicionamento com a personagem Ofélia criada por Shakespeare. Podemos dizer que, tal como Julieta, Ofélia é uma personagem feminina apaixonada ao ponto de ser levada a extremos em nome desse sentimento, contudo, apesar de ter uma presença pontual e importante na trama, ela difere de Julieta em vários pontos, não somente por não ser uma personagem principal, por assim dizer, mas por não partilhar da completa ingenuidade de Julieta em relação à vida. Ofélia era mais madura e infinitamente mais inteligente.

Veja, o que estou dizendo aqui exprime apenas minhas impressões a respeito da personagem de acordo com a peça de Shakespeare. Ofélia é o contraponto de Hamlet, ela surge como uma forma de completá-lo, enquanto Shakespeare criou Hamlet como a razão, Ofélia é o sentimento. Poderia dizer que ela é a humanidade que o ódio e a sede de vingança tiraram dele. Na peça, ele se apaixona por ela e promete coisas que não é capaz de cumprir, mas, cegado pela loucura da vingança, acaba causando feridas profundas em seu coração que findam por levá-la à loucura e ao suicídio. Morrendo Ofélia, morre qualquer resquício de amor e humanidade no coração do príncipe que, entregue ao mal, leva até as últimas consequências sua vingança e, dessa forma, tem seu trágico desfecho.

Para mim, Ofélia tanto na ópera quanto na peça de Shakespeare, é uma personagem étéra e tão fascinante quanto seu personagem título. Embora represente a fragilidade e a doçura femininas, ela também é a representação da força e da piedade filial, do bom senso e da coragem. Foi por essas razões que a personagem recriada por Lisa Klein, em alguns pontos, me decepcionou tanto.

Se concordo em parte quando a autora diz no final que "Ofélia merecia sua vingança", é porque gostaria que a personagem tivesse um desfecho mais favorável na peça original, todavia, observando toda a situação criada pelo dramaturgo inglês, fica claro que a felicidade de Ofélia se tivesse permanecido viva seria impossível. Ela não tinha ninguém para zelar por ela, perdera seus familiares e o amor da sua vida, não tinha mais a proteção da rainha que também morrera e se veria como uma estranha na corte de Fortimbrás, o príncipe da Noruega que tomou posse da Dinamarca.

Todavia, no percurso repensado da personagem, Lisa Klein nos oferece uma Ofélia inicialmente segura de si e inteligente, mas essas características se atenuam — para não dizer desaparecem — no momento que ela se entrega ao amor de Hamlet. Parece que, a partir do momento que se apaixona pelo príncipe, Ofélia se torna uma garota tola cujo mundo gira somente em torno do objeto de sua devoção. Os poucos sinais de lucidez que ela parece ter ao longo do percurso vêm de forma fraca o bastante para considerarmos ela uma grande tola. Além disso, a reconstrução das personagens fez com que o rumo da história apontasse — e não sei ao certo se de forma intencional ou não — a que a personagem tivesse pouca ou nenhuma afinidade com seu par romântico.

Sério, desde o começo do livro você é imediatamente direcionado a torcer que Ofélia fique com Horácio, mesmo nas poucas interações entre eles, fica claro como água que esse personagem é muito mais compatível com ela que Hamlet. E, se isso foi feito de propósito pela autora para justificar o final do livro ou para dar uma saída para o trágico desfecho, funcionou para mim como uma faca de dois gumes. Primeiro, porque o final tornou esse acontecimento um tanto forçado, já que a construção desse caminho foi muito rasa, segundo porque a própria personalidade instável da personagem de Klein quase invalidou esse caminho.

Talvez por ter lido a peça primeiro, essa releitura não funcionou tão bem para mim. Primeiro porque as personalidades e as relações das personagens diferem muito do original — o que é bom, porque torna o material original, e ruim para os saudositas que amam a peça de Shakespeare — a fidelidade com um livro histórico, quando vista como um material desvinculado da peça, torna a leitura interessante e instigante, que foi o que aconteceu com a menina que fez a resenha no youtube, mas a partir do momento que você conhece a peça e toda a sua complexidade, poesia e dualidade, a profundidade de suas personagens e as nuances equilibradas entre as camadas do ser humano, a releitura parece se tornar um romance aguado para adolescentes.

Não quero, claro, dizer que o livro é ruim, de forma alguma. Como um material isolado é uma leitura interessante. Mas senti que as questões principais da peça e o cerne da própria Ofélia foi deixado de lado para construir um romance bem Romeu e Julieta com um final que tenta passar uma imagem de personagem empoderada e à frente do seu tempo, mas que é na verdade algo bem açucaradinho. E, infelizmente, não consegui ler o livro como um material isolado, então as comparações com a peça seguiam cada vez mais intensas e diminuíam um pouco o prazer da leitura em si. Ler Hamlet, para mim, foi arrebatador. Das poucas peças que conheço de Shakespeare, ela é sem dúvida a melhor. Mas Ofélia realmente me deu a sensação daqueles livros históricos de banca, só que com um desenvolvimento um tanto mais bem feito.

É um livro bom, mas não fantástico ao ponto de você querer reler diversas vezes. E, se me trouxe alguma alegria real, foi o excelente material de referência e o final feliz para a personagem, embora não atenue, de nenhuma forma, a tristeza pela morte poética da personagem original pela sua grande desconexão com esta. A meu ver, ambas compartilham apenas o nome. Contudo, indico o livro, para quem procura um bom romance histórico sem muitas pretensões, é uma leitura aprazível. 

Adaptação

Ano: 2021

Direção: Claire McCarthy

Roteiro: Semi Chellas

Trilha Sonora: Steven Price

Gênero: Drama

País: Reino Unido, EUA

PG: +16

Elenco: Daisy Ridley, Naomi Watts, Tom Felton, Clive Owen, George MacKay

Sinopse: No século 14, a bela e inteligente Ophelia (Daisy Ridley) chama a atenção do príncipe Hamlet. Os dois vivem um intenso romance, enquanto ela lida com a mãe dele, a rainha Gertrude (Naomi Watts). Ela precisa se decidir entre o amor ou sua própria vida para esconder um segredo mortal.

O que eu posso dizer desse filme? A trilha sonora é estonteante, maravilhosa, exuberante, uma verdadeira obra prima. É isso.

Tal como falei do livro, se ele por si só não conseguiu ganhar meu coração, era de se esperar que o filme não fosse alcançar esse êxito, especialmente com o tanto de coisa que foi elipsada do enredo, tornando-o ainda mais um romance histórico beirando o clichê.

Não entendo nada de cinema, mas sou realmente curiosa para entender a dificuldade dos roteiristas em seguir os malditos livros nos roteiros! Okay, algumas coisas são realmente inviáveis adaptar quando um livro é, por exemplo, de fantasia, mas em um romance desse, com suas meras duzentas páginas, fico me perguntando qual a dificuldade em colocar na droga da adaptação o que está no livro. Qual a dificuldade?

A elipse de personagens importantes como Elnora e a diminuição de outros como Edimundo, precisa converter a importância para outras personagens como Gertrudes, que já tem sua importância na trama, mas aqui ganhou uma irmã gêmea bem improvável — para dizer o mínimo — e Cláudio que também ganhou uma repercusão eu diria até desnecessária além do seu papel.

Outra coisa que também me deixou mais chateada com a produção — que já não esperava muito, por sinal — foi o final que eles realmente desconstruíram. Se por um lado a personalidade da Ofélia se manteve, em parte, estável ao longo da trama — e por si só já é muito porque no livro é bem volúvel — e a relação dela com o irmão e o pai foi mantida mais ou menos como na peça, por outro os "desvios" tomados pelo enredo que envereda num filme histórico romântico bem hollywoodiano que oferece pouco ao expectador — ainda mais se este leu o livro ou, pior, a peça! —, a elipse das personagens faltantes e o encurtamento do final da trama foi, para dizer o mínimo, decepcionante. Pelo menos para mim.

Recomendo o filme? Não. A menos que você vá vê-lo, como a releitura, tal como material isolado, não recomendo. Se comparar com o livro ou com a peça, vai ser uma experiência frustrante e decepcionante. Todavia, como uma mídia isolada pode oferecer certo divertimento para um expectador que curta romances históricos.

Mas a trilha sonora, é sério, escutem, é soberba de tão linda!


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