Original: La Belle et la Bête
Autor: Madame de Beaumont, Madame de Villeneuve
Sinopse: A versão original do clássico que inspirou o novo filme da Disney, estrelado por Emma Watson
Adaptado, filmado e encenado inúmeras vezes, o enredo de A Bela e a Fera vai muito além da jovem obrigada a casar com uma horrenda Fera que no final se revela um lindo príncipe preso sob um feitiço. Nessa edição bolso de luxo da coleção Clássicos Zahar você encontra reunidas duas variantes da história.
A versão clássica, escrita por Madame de Beaumont em 1756, vem embalando gerações e inspirou quase todos os filmes, peças, composições e adaptações que hoje conhecemos. A versão original, que Madame de Villeneuve publicara em 1740, é de uma riqueza espantosa, que entre outras coisas traz as histórias pregressas da Fera e da Bela e dá voz ao monstro para que ele mesmo narre seu destino.
Comprei esse livro já tem um tempo como um material de pesquisa para a minha futura própria versão do conto, tal como A Fera em Mim, resenhado recentemente no blog. Todavia, confesso que me surpreendi não tão positivamente com as versões originais do conto francês. Claro que, levando em conta a época em que foram escritos e a natureza das histórias antigas, relevei algumas coisas, mas não deu para ignorar aquela pontinha de "esperava mais" me incomodando especialmente durante a segunda versão da história, esta maior que a primeira sendo quase uma novela e não um conto.
Essa resenha terá SPOILER das duas versões, então leia por sua conta em risco.
Bem, no conto de Madame Beumont, a gente acompanha um rico comerciante que tinha seis filhos entre eles uma se destacava, a caçula que era tão bondosa e bonita, além de extremamente inteligente sendo chamada, desde bebê, de Bela, nome que foi lhe dado despertando a inveja de suas duas irmãs fúteis que viviam de ostentar sua riqueza enquanto a caçula se dedicava integralmente a ler livros. Contudo, o rico comerciante acaba perdendo todo seu dinheiro e se vendo obrigado a se isolar com a família longe da cidade. Todos os "amigos" viraram-lhes as costas e os homens que antes viviam atrás de desposar as irmãs lhes abandonaram.
Bela, contudo, não se intimidou na pobreza e, determinada a ajudar o pai e os irmãos, se esforçou em manter a pequena casa em que moravam limpa e cozinhar, cuidando assim das tarefas domésticas e aturando o péssimo humor das irmãs que a criticavam por agir daquela maneira. Com a notícia que um dos seus navios havia conseguido atracar, o comerciante partiu em uma esperançosa viagem na tentativa de recuperar seus bens, mas acabou descobrindo que continuava tão pobre quanto antes. Na volta para casa, ele foi pego por uma tempestade violenta que o forçou a se abrigar em um castelo misterioso no meio do caminho.
Ali, ele foi bem recebido, alimentado e tratado. Não vendo em nenhum momento seu anfitrião, acabou por convencer-se que havia sido uma fada que o tratara e agradeceu pela hospitalidade. Ao sair, contudo, lembrou-se do pedido singelo de sua filha caçula que, ao contrário das demais cujos pedidos eram riquezas, havia lhe pedido uma rosa. Mas, ao colhê-la, foi surpreendido por um terrível monstro furioso que o acusa de tê-lo roubado e o faz prometer que, num prazo de três meses, retornará ao castelo sozinho ou com uma das filhas que se comprometa a morrer no seu lugar. Ele lhe dá uma grande fortuna para sua família em compensação pela perda da vida do patriarca ou da irmã e manda o comerciante embora.
Ao descobrir as consequências do seu pedido, Bela se compromete a tomar o lugar do pai e ser morta em seu lugar. Com pesar, vendo que não seria capaz de demover a filha daquela decisão, ele acaba por aceitar e a leva ao castelo. Lá, Bela é surpreendida não com a morte, mas com o título de senhora do castelo cuja única desvantagem era ter de suportar a companhia da fera todos os dias na hora do jantar. E todos os dias recusar a mesma proposta "Quer ser minha mulher, Bela?" ela surpreendia-se com a sua gentileza e com o respeito que lhe dispensava, mas não conseguia oferecer-lhe nada mais que sua amizade sincera.
Conforme a amizade deles se estreita, ela pede a ele para visitar sua família por oito dias, mas ele afirma que se ela passar desse prazo, ele morrerá e ela promete que cumprirá o prazo, contudo, suas invejosas irmãs revoltadas por ela ser mais bem tratada que elas, então planejam prendê-la em casa além do prazo para que assim a fera morra e ela sofra. Porém, Bela volta a si e retorna ao castelo após ter um pesadelo em que via a fera morrendo por sua causa, ela se dá conta dos seus sentimentos e, ao assumi-los, liberta-o da maldição.
Já a versão de Madame Villeneuve, um pouco mais elaborada, trata quase da mesma premissa, dessa vez, contudo, o comerciante tinha doze filhos, acontece tudo quase do mesmo jeito, a diferença essencial está no desenrolar da história em si. Nessa história, Bela apesar de ser uma garota com qualidades, é descrita de maneira mais fútil e menos inteligente que a garota de Beaument, há também certas condições na maldição que a fera deve seguir como o fato de esconder sua inteligência. Essa versão também conta com duas fadas, uma boa e outra má que tem ligação direta com Bela e o príncipe amaldiçoado.
Aqui, Bela é fruto do relacionamento proibido entre uma fada e um rei mortal. Outra fada que se apaixonou por esse rei, tramou para matar a menina e aprisionar sua mãe, assim, a irmã bondosa da mãe de Bela salvou a menina e a trocou pelo bebê doente do mercador. Desde a infância, Bela e o príncipe estavam destinados a ser um casal, já que o rei era irmão da mãe do príncipe. Não tendo sucesso com o rei, a fada má - que era tutora do príncipe - se aproveita de uma situação delicada em seu reino e impõe que eles se casem, mas com a recusa do mesmo, ainda uma criança, e a objeção da sua mãe no enlace, ela joga nele uma maldição que o transforma em uma fera.
A fada boa, vendo nisso uma oportunidade de ajudar a irmã e a sobrinha, bola todo um plano para colocar Bela no caminho do primo e a história se desenrola quase da mesma maneira do primeiro conto. As diferenças mais gritantes, além dessas citadas, são que o castelo inteiro é encantado e faz parte de uma terra mágica específica. Bela, nessa versão, é mais próxima das produções artísticas como o teatro, a ópera e o balé do que os livros propriamente e o tom da fera muda um pouco de "quer ser minha mulher" para algo mais agressivo como "quer dividir o leito comigo", mesmo que ele não tenha em nenhum momento sido realmente invasivo com ela (apesar de ficar observando ela dormir) achei isso meio... "oi?"
Outra diferença bem pontual da primeira versão é o fato do príncipe, em sua aparência verdadeira, aparecer nos sonhos de Bela graças a magia da fada boa que também aparece em seus sonhos advertindo a sobrinha a seguir seu coração e não se fiar na aparência. Ela, contudo, acaba se apaixonando pelo príncipe em seus sonhos o que dificulta muito seus sentimentos pela fera. O prazo que ela pede para ficar em casa são dois meses e, mais uma vez, as irmãs armam um plano para atrasá-la e a própria Bela fica tentada a permanecer com a família. Contudo, após um pesadelo onde vê a fera morrendo, ela decide voltar para o castelo e o desenrolar é quase o mesmo. O diferencial está que temos a história da fera e a revelação da origem de Bela, além do reencontro dela com seus pais.
Mesmo essa segunda versão sendo maior e com mais detalhes, foi a que gostei menos, não só pelo caráter de Bela que eu achei fraco, um tanto fútil e o próprio desenvolvimento da história que, por vezes, me parecia maçante. Além de ter achado essa origem da Bela bem inusitada o que foi, ao mesmo tempo, uma surpresa boa e ruim.
Num cômputo geral, mesmo eu não tendo gostado tanto quanto esperava, é inegável a qualidade estética do texto e a genialidade por trás da ideia. Sobretudo, a edição da Zahar conta com um prefácio maravilhoso que nos situa na gênese do conto (possivelmente inspirada em um mito grego) e seu desenvolvimento ao longo do tempo. Para os curiosos ou apaixonados por versões originais, indico.
Adaptações
Dava para fazer um post inteiro só com as adaptações da Bela e a Fera, são inúmeras, nem todas elas, contudo, boas. Já escrevi um post aqui com todas as adaptações que vi da Bela Adormecida, mas nesse post vou me ater apenas a algumas adaptações pontuais desse conto.
Começando com a clássica versão da Disney de 1991 e provavelmente o primeiro contato de todo mundo com essa obra, as diferenças no enredo original são bem pontuais, a empresa de animação deu seu "toque mágico" na trama criando não apenas uma das melhores protagonistas femininas - e já prenunciando uma sequência de futuras princesas empoderadas -, mas uma série de personagens marcantes que sobreviveram no imaginário e dão até hoje a sensação gostosa de infância.
O longa de 1h e 24min, conta com personagens que não aparecem nas versões originais como Gaston, Lefou, Madame Samová, Morloch e Lumiére, além de dar um significado simbólico e certo protagonismo para a rosa que, nas versões originais era apenas um gatilho de clímax para a problemática central. Além de ser recheado de canções originais, as personagens são dotadas de personalidades marcantes e planos de fundo bem desenvolvidos. Não vou comentar nada sobre o Live Action lançado pela empresa porque realmente não gostei nada.
No ano seguinte a Wester Animation lançou sua versão do conto este já mais voltado para as versões originais, uma mescla dos dois contos. A animação dura 48min e embora não tenha o mesmo encanto da Disney, com suas personagens carismáticas e canções que grudam na cabeça, se fiam mais no conto originário.
Nesse, O caixeiro tem cinco filhos e, ao ser enganado pelos homens a quem confiou seus negócios, se vê cheio de dívidas. Os três navios que podiam ser sua salvação foram vitimados por um tufão nos mares da Ásia, assim, sem nada, a família acaba tendo de se isolar em uma casinha no campo que era tudo que lhes restava.
Ao contrário de suas irmãs fúteis, Bela que sempre foi simples e otimista, se põe a ajudar o pai e os irmãos no recomeço da vida, mas o encontro do pai com a fera para atender a um pedido seu vai mudar todo o rumo da história. Influenciada por uma fada má, Bela vai precisar confiar nos seus instintos sobre a verdadeira natureza do seu benfeitor.
Em 2010, a American World Pictures lançou a "versão sombria" do conto, bem, pelo menos era a intenção. Eu só vi esse filme uma vez há muito tempo então não vou lembrar exatamente de todos os detalhes, mas a premissa é, se não me engano, um rei que está nas últimas e seus filhos que anseiam pelo trono. Um deles, para consegui-lo, mata o mais jovem e se alia a uma bruxa para amaldiçoar o verdadeiro herdeiro mergulhando o reino em uma era de sadismo e caos.
No vilarejo do reino vive Bela, uma jovem aprendiz de herbologista (antigo boticário, médico, como queira chamar) muito competente e cobiçada por todos os homens. Várias mortes brutais começam a acontecer no vilarejo e um monstro que vive na floresta é acusado dos crimes, mas ao salvar a vida da jovem, ela acaba desconfiando disso e decide ajudá-lo a revelar a verdade.
Com uns efeitos especiais bem ruins para 2010, muito gore mal feito e uma Bela sexualizada desnecessariamente, essa versão é completamente dispensável para os fãs do conto, pelo menos no meu ponto de vista. Mas caso bata a curiosidade, você pode encontrar essa pérola cinematográfica na internet. Tem maior cara de filme dos anos 80 então saudosistas podem acabar gostando.
Em 2014 a Pathé Distribution lançou a versão baseada no conto de Villeneuve com algumas distintas modificações. Lembro que vi esse filme legendado pouco depois de sua estreia e antes de ele chegar ao Brasil (na época me recordo que muita gente criticou a dublagem da Paola Oliveira, mas como não cheguei a ver o filme dublado não vou opinar). Mesma coisa do anterior, eu só assisti uma vez, então não me recordo bem dos detalhes. O elenco traz Vincent Cassel (Cisne Negro) como o príncipe amaldiçoado e Léa Seydoux (Azul é a cor mais quente) como Bela.
Um rei de um reino próspero vivia com sua bela esposa, sua maior felicidade, além dela, era a caça. Todavia, sem saber a verdadeira natureza de sua rainha, ele não ouviu um dia quando ela lhe pediu para não ir caçar e acabou matando uma bela corça dourara apenas para vir a descobrir depois que este era sua esposa. O deus da floresta, furioso com a morte de sua filha, amaldiçoa o rei a tornar-se a besta que ele era por dentro.
A partir daí, temos a história do conto original. Um rico comerciante perde tudo quando seus navios afundam em uma tempestade e se vê com todos os seus bens confiscados pelos credores. Para fugir da vergonha, a família se instala em uma propriedade no campo e, apesar das dificuldades no início, se esforçam para se adaptar à nova situação. Dos filhos do comerciante, Bela, a caçula, é uma jovem inteligente, impetuosa, com coração bondoso e personalidade forte. Suas duas irmãs são cabeças de vento fúteis e, no que se refere aos irmãos, o mais velho é um encrenqueiro arrogante, o do meio um escritor fracassado e o mais jovem um garoto de bom coração e coragem.
Quando recebe a notícia que seu barco havia aportado ileso com todos os seus tesouros a salvo, a família comemora, o comerciante parte com o filho mais velho para a cidade a fim de reclamar seu tesouro, mas acaba descobrindo que tudo também foi confiscado pelos seus credores graças a promissórias que ele havia assinado antes. Furioso, o filho mais velho acaba se separando dele. Ao procurá-lo, o homem é perseguido por bandidos perigosos a quem o filho está devendo muito dinheiro, fugindo em desespero e preocupado com o filho, o comerciante se perde na floresta por causa de uma intensa tempestade de neve e acaba sofrendo um acidente que o leva para o castelo encantado da fera.
No castelo, ele é recebido e alimentado, além de receber como presente arcas com todas as futilidades pedidas pelas filhas, exceto, contudo, a rosa de Bela. No caminho de volta, ele vê uma árvore gigantesca com belíssimas rosas, mas ao arrancar uma é atacado pela criatura que diz que ele tem um dia para se despedir da família e voltar ou ele matará a todos. O comerciante volta para casa muito triste e conta a história para os filhos que não acreditam muito nele. Contudo, Bela se sente responsável pelo que aconteceu e tranca o pai no quarto fugindo a cavalo para se oferecer a fera no lugar dele.
Chegando lá ela é bem recebida e tratada, contudo, ao contrário do conto original, a fera aqui é rude, machista e bem mal educada no começo, mas Bela não deixa por menos sendo imponente, desafiadora e dizendo o que pensa sem medir as palavras. Apesar disso, ela explora o castelo sendo sempre tratada com os mais belos vestidos e joias, até hoje me pergunto por que esse filme não ganhou nem um prêmio por figurino, é um espetáculo o figurino! A fotografia também não perde nada. Na sua estada no castelo, ela começa a ter estranhos sonhos com uma princesa que é casada com um apaixonado príncipe cujo maior prazer é a caça e em suas explorações ela acaba por descobrir que seus sonhos talvez não sejam fruto da sua imaginação.
Aproveitando a leve proximidade entre eles, a fera permite que ela volte para casa por um dia para se despedir da família, mas seu irmão mais velho arma um plano para levar os bandidos a quem deve para saquear o castelo enquanto a irmã visita o pai. Bela corre para salvar o amado e impedir que ele mate seus irmãos (apesar do mais velho merecer), mas um dos bandidos acaba ferindo o monstro que por bem pouco não morre sendo salvo pela magia da ninfa da floresta que um dia foi sua esposa, e pelas lágrimas de Bela.
Esse filme, apesar de ser descrito como uma adaptação do conto de Villeneuve, tem alguns elementos do conto de Beumont também. Os efeitos especiais são muito bons, ele flerta ali com o dark também, e apesar de haver a magia ela não é o mote, mas um acessório na trama o que é muito interessante. Gosto muito dessa versão, acho, inclusive, um live action muito melhor que o da própria Disney (novamente, opinião minha) embora não ache Vincent Cassel nada principesco, ele cumpre bem o papel de príncipe arrogante, rude e machista da era medieval. Acho que vale muito a pena conferir essa versão.
E é isso, fico por aqui com essa resenha, ainda tenho mais duas para fazer antes do ano acabar.