Título: Os Sertões
Autor: Euclides da Cunha
Ano de Publicação: 1902
Editora: Laemmert
Gênero: Crônica, Geologia, Geografia, História, Sociologia
País de Origem: Brasil
Sinopse: Trata da Guerra de Canudos (1896-1897), no interior da Bahia. Euclides da Cunha presenciou uma parte desta guerra como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo. Pertence, ao mesmo tempo, à prosa científica e à prosa artística. Pode ser entendido como um obra de Sociologia, Geografia, História ou crítica humana. Mas não é errado lê-lo como uma epopeia da vida sertaneja em sua luta diária contra a paisagem e a incompreensão das elites.
O que eu achei: Hey, pessoas! Viu como eu amo vocês, estou tirando uma folguita da minha árdua tarefa de estudar para as provas para dar um sinal de vida aqui. E eis que vos trago Os Sertões, um livro brasileiro clássico que é um retrato - literalmente - da vida sertaneja, só que em palavras. Li esta pequena bíblia para um trabalho de literatura e, confesso, não foi nada fácil! O livro traz uma linguagem ainda mais rebuscada que a de Machado e é cheio de explicações técnicas geológicas, geográficas, históricas e por aí vai porque esse autor era muita coisa. Então, a primeira parte do livro, A Terra, quase me fez dormir. Mas, o fato é que é inegável não se apegar a ele a partir da segunda parte e eu gostei muito de conhecer um pouco mais sobre o sertão, a vida difícil da seca e da guerra de canudos. O que vou colocar aqui, como ilustração para a resenha, é o trabalho que fizemos (eu e minhas amigas) para a faculdade. Então, boa leitura!
O Autor e a Obra
Euclides deixou
Canudos quatro dias antes do fim da guerra, não presenciando, assim, seu final.
Mas reuniu material suficiente para escrever Os Sertões, em São José do Rio Pardo, nos intervalos de seu
exaustivo trabalho como líder da construção de uma ponte metálica. Nesta obra,
ele rompe por completo com suas ideias anteriores e pré-concebidas, segundo as
quais o movimento de Canudos seria uma tentativa de restauração da Monarquia, comandada
à distância pelos monarquistas. Percebe que se trata de uma sociedade
completamente diferente da litorânea. De certa forma, ele descobre o verdadeiro
interior do Brasil, que mostrou ser muito diferente da representação usual que
dele se tinha.
Os Sertões lhe rendeu
fama internacional e vagas na Academia Brasileira de Letras e no Instituto
histórico e Geográfico Brasileiro. A obra divide-se em três partes: A terra, O homem e A luta, onde o autor
analisa as características geológicas da região, a vida, os costumes e a
religiosidade sertaneja.
A esposa de Euclides,
conhecida como Anna de Assis, veio a tornar-se amante de um jovem cadete 17
anos mais novo do que ela chamado Dilermando de Assis. Ainda casada com
Euclides, teve dois filhos de Dilermando. Um deles morreu ainda bebê. O outro
filho era chamado por Euclides de "a espiga de milho no meio do
cafezal", por ser o único louro numa família de morenos. Aparentemente,
Euclides aceitou como seu esse menino louro.
A traição de Anna
desencadeou uma tragédia em 1909, ao que Euclides entrou armado na casa de
Dilermando dizendo-se disposto a matar ou morrer. Dilermando reagiu e matou
Euclides, mas foi absolvido pela justiça militar ao ser julgado. Entretanto,
até hoje o episódio permanece em discussão. Dilermando mais tarde casou-se com
Anna. O casamento durou 15 anos.
Euclides da Cunha é
um autor que está associado ao movimento pré-modernista, faz uma forte crítica
à realidade brasileira, sua obra pode ser associada à literatura naturalista do
final do século XIX. O movimento naturalista tinha como característica
principal uma íntima ligação com o cientificismo positivista de August Comte e
uma forte crença segundo a qual o mundo social poderia ser explicado a partir
das forças da natureza. Os Sertões (1902) surgiu de uma reportagem encomendada
pelo jornal O Estado de São Paulo. Encarregado de cobrir a Guerra de Canudos
(1896-1897), Euclides encontrou nos confrontos entre o Exército brasileiro e um
grupo de fanáticos religiosos liderados por Antônio Conselheiro matéria para
descrever a geografia e a população do sertão baiano. É considerada a primeira
obra a falar da existência de dois “BRASIS”: um litorâneo e outro interiorano.
A obra os sertões trata da natureza e da estrutura social do mundo sertanejo
1.1 A Terra
Nessa primeira parte da obra, somos levados a uma viagem
paisagística e histórica que começa na “civilização” urbanizada e vem de
encontro à sequidão do nordeste árido, descrito de maneira deslumbrável em
todos os seus aspectos biológicos, climáticos, visuais que eternizam a região.
O autor faz uma análise tanto do decorrer histórico da terra nordestina, quanto
do horizonte climático que acompanha essa região nos trazendo a uma reflexão
atual do ambiente climático instável no qual estamos inseridos.
Na primeira parte são estudados o relevo, o solo, a
fauna, a flora e o clima da região nordestina. Euclides da Cunha revelou que
nada supera a principal calamidade do sertão: a seca. Registrou, ainda, que as
grandes secas do Nordeste brasileiro obedecem a um ciclo de nove a doze anos,
desde o século XVIII.
Não são retratados nesta primeira parte, de forma clara,
o sertanejo ou o misticismo. Há algumas citações em que ambos os temas são
apresentados, mais de maneira ilustrativa que, propriamente, com o sentido de
visão do autor sobre os pontos que, talvez, sejam melhor encontrados na segunda
parte da obra O Homem.
“É a paragem formosíssima dos campos gerais,
expandida em chapelões ondulantes — grandes tablados onde campeia a sociedade rude dos vaqueiros... Atravessemo-la.”
— Preliminares, páginas 27/28
Nesse trecho específico, fica um pouco visível o modo
como o autor apresenta o homem que vive na área “não urbanizada”, também, em
outras passagens, identificados como matutos,
não aparentemente no sentido pejorativo da palavra, mas, muito mais
provavelmente, no sentido de expressão de um povo cujas crenças são baseadas em
sua experiência no meio do qual faz parte, o que entra fortemente a questão do
determinismo na obra. Euclides da Cunha descreve, nesta primeira parte da obra,
as particularidades da terra árida sertaneja, de maneira poética e um pouco
apaixonada, quando diz, por exemplo, “E o
sertão é um vale fértil. É um pomar vastíssimo, sem dono.” exaltando a
beleza seca muitas vezes despercebida ou ignorada pelas pessoas.
“É uma paragem impressionadora. As condições estruturais
da terra lá se vinculam à violência máxima dos agentes exteriores para o
desenho de relevos estupendos.” — Primeiras Impressões, página 33
Nessa primeira parte da obra, como dito anteriormente, as
questões da descrição do homem sertanejo e do misticismo são feitas de maneira
ilustrativa e sutil, sem expressar, exatamente, a opinião do autor a respeito
de ambos os temas. Como visto no trecho que segue o misticismo empregado na
crença local da experiência do homem com a seca e com a vegetação que o cerca
geram suas conclusões a respeito das previsões empíricas que, posteriormente,
são justificadas pela ciência. E a visão do homem sertanejo, ainda muito pouco
explorada e meramente anexa à descrição da paisagem seca do sertão, é empregada
de maneira não pejorativa, mas determinista.
“As juremas, prediletas dos caboclos — o seu hachich capitoso,
fornecendo-lhes, grátis, inestimável beberagem, que os revigora depois das
caminhadas longas, extinguindo-lhes as fadigas em momentos, feito um filtro mágico — derramam-se em sebes,
impenetráveis tranqueiras disfarçadas em folhas diminutas; refrondam os
mariseiros raros — misteriosas árvores
que pressagiam a volta das chuvas e das épocas aneladas do verde e
o termo da magrem — quando, em
pleno flagelar da seca, lhes porejam na casca ressequida dos troncos algumas
gotas d’água;”
A Jurema — página 60
Portanto, na primeira parte da terra, é tratada a entrada
do sertão terra ignota, as primeiras
impressões e a geologia. A vista do alto do Monte-Santo e do alto da favela, o
clima, as secas e hipóteses sobre sua origem, as caatingas, uma análise de como
surgem os desertos e como os mesmos se extinguem, enfim, uma análise geral e
histórica da terra sertaneja.
1.2. O Homem
O determinismo julgava que o homem é produto do meio
(geografia), da raça (hereditariedade) e do momento histórico (cultura). Nesta
segunda parte da obra vem como uma pesquisa cientifico-histórica da gênese do
homem sertanejo e, por que não, do homem brasileiro como um todo. E um estudo
da formação da etnia e da sociedade assim como de todos os elementos que
contribuíram positiva ou negativamente para o desenvolvimento dessa parte do
Brasil. O autor ainda faz uma crítica a exploração do meio ambiente, mais
explícita na primeira parte da obra, mas também sutilmente mencionada na
segunda, e a eugenia, presente principalmente neste trecho:
"Acreditamos
que isso se sucede porque o escopo essencial destas investigações se tem
reduzido à pesquisa de um tipo étnico único, quando há, certos, muitos.
Não
temos unidade de raça.
Não
a teremos, talvez, nunca. (...)
Estamos
condenados à civilização.
Ou
progredimos ou desaparecemos.
A
afirmativa é segura." — Complexidade do problema etnológico do Brasil,
página 79
Dessa
forma, Euclides vai traçando as misturas raciais pelas quais o sertanejo vai
passando de modo a desmitificar essa eugenia e provocar a reflexão acerca da
diversidade de raças existentes. Do mesmo modo, usa essa miscigenação para
ilustrar os componentes do comportamento, da crença e do modo de vida do
sertanejo, fazendo uma verdadeira linha histórica do processo de colonização,
exploração, luta e sobrevivência do homem sertanejo.
Sertão: Uma parte do
Brasil totalmente desconhecida
Até
o início da guerra, as elites do litoral desconheciam o que fosse sertão.
Imaginavam ser uma terra sem dono, sem leis, onde as estruturas não favoreciam
a sobrevivência humana. O sertanejo era visto como um mestiço de raça inferior
favorecido ao isolamento, perdido nas caatingas, longe da cidade e isolado do
resto do mundo.
O sertanejo: Um
Hércules-Quasímodo
O
sertanejo é caracterizado pelo autor como um “Hércules-Quasímodo”, onde faz
referências a dois importantes personagens (Hércules – semideus latino,
encarnação de força e valentia; e Quasímodo – o famoso “Corcunda de Notre-Dame”,
pessoa disforme que cuidava do sino da Catedral de Notre-Dame, no romance Nossa
Senhora de Paris, de Victor Hugo), mostrando a oposição entre a força física e
a fragilidade da imagem.
"O
sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos
mestiços do litoral. A sua aparência, entretanto, no primeiro lance de vista,
revela o contrário(...). É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasimodo
(...) é o homem permanentemente fatigado (...) Entretanto, toda essa aparência
de cansaço ilude (...) No revés o homem transfigura-se . (...) e da figura
vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um
titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade
extraordinárias." (p.118)
Essa definição é
conferida, não apenas a miscigenação que forma a raça sertaneja, mas está
diretamente ligado ao determinismo de Comte presente na obra, para Cunha, esse
paradoxo da imagem do sertanejo está intimamente ligado ao seu meio de vida, ao
clima da região em que ele vive e ao seu trabalho árduo na dura sobrevivência
da seca.
1.3. A Luta
A Luta, terceira parte do
livro, narra a batalha entre o litoral desenvolvido e o interior atrasado. Relata
as quatro expedições a canudos, mostrando o retrato real, da fome, da peste, da
miséria, da violência e da insanidade da guerra que só seria possível relata
por alguém que testemunhasse de perto o que se passava naquele meio. A
princípio Euclides da Cunha, que compartilha as idéias do povo litorâneo,
enxerga os acontecimentos no arraial de Canudos como uma revolta. No decorrer de
sua narrativa, porém, essa posição se altera gradativamente até a compreensão
de que os sertanejos constituíam um povo isolado e, por isso, homogêneo.
Essa homogeneidade se deve a um isolamento histórico provocado
pelo esquecimento civilizatório, que os manteve distantes do desenvolvimento
litorâneo. O conflito de canudos surgiu
de uma desavença local, o início da luta se dá quando as autoridades de Juazeiro se recusam a mandar a
madeira que Antônio Conselheiro adquirira para cobrir a igreja de Canudos; os
jagunços, então, pretendiam tomar à força o que haviam comprado e pago. Avisado das intenções dos homens de
Conselheiro, o governo do Estado manda que em Juazeiro se organize uma força
que elimine o foco de banditismo. O governo da Bahia
também não concordava com o fato dos habitantes de Canudos não pagarem impostos
e viverem sem seguir as leis estabelecidas. Afirmavam,
contudo que Antônio Conselheiro defendia a volta da Monarquia. Por outro
lado, Antônio Conselheiro defendia o fim da cobrança dos impostos e era
contrário ao casamento civil. Ele afirma ser um enviado de Deus que deveria
liderar o movimento contra as diferenças e injustiças sociais. Era também um
crítico do sistema republicano.
Trecho que descreve o final dos combates:
“A luta, que viera perdendo dia a dia o caráter militar,
degenerou, ao cabo, inteiramente. Foram-se os últimos traços de um formalismo
inútil: deliberações de comando, movimentos combinados, distribuições de
forças, os mesmos toques de cornetas, e por fim a própria hierarquia, já
materialmente extinta num exército sem distintivos e sem fardas. Sabia-se de
uma coisa única: os jagunços não poderiam resistir por muitas horas. Alguns
soldados se haviam abeirado do último reduto e colhido de um lance a situação
dos adversários. Era incrível: numa cava quadrangular, de pouco mais de metro
de fundo, ao lado da igreja nova, uns vinte lutadores, esfomeados e rotos,
medonhos de ver-se, predispunham-se a um suicídio formidável. Chamou-se aquilo
o “hospital de sangue” dos jagunços. Era um túmulo. De feito, lá estavam, em
maior número, os mortos, alguns de muitos dias já, enfileirados ao longo das
quatro bordas da escavação e formando o quadrado assombroso dentro do qual uma
dúzia de moribundos, vidas concentradas na última contração dos dedos nos
gatilhos das espingardas, combatiam contra um exército. E lutavam com relativa
vantagem ainda. Pelo menos fizeram parar os adversários. Destes os que mais se
aproximaram lá ficaram, aumentando a trincheira sinistra de corpos esmigalhados
e sangrentos. Viam-se, salpintando o acervo de cadáveres andrajosos dos
jagunços, listras vermelhas de fardas e entre elas as divisas do sargento-ajudante
do 39o, que lá entrara, baqueando logo. Outros tiveram igual destino. Tinham a
ilusão do último recontro feliz e fácil: romperam pelos últimos casebres
envolventes, caindo de chofre sobre os titãs combalidos, fulminando-os,
esmagando-os...”
A guerra
significou a luta e resistência das populações marginalizadas, esquecidas no
sertão nordestino no final do século XIX. Embora derrotados, mostraram que não
aceitavam a situação de inferioridade e injustiça social que se fazia presente
naquela região, onde o privilégio se concentrava no desejo das elites.
2. Conclusões
Com uma maestria poética, Euclides da Cunha fez um
trabalho historiográfico e geográfico, ao mesmo tempo em que filosófico e reflexivo
sobre não apenas o povo sertanejo, mas sobre suas lutas diárias de
sobrevivência em meio a dureza da vida árida, do jogo de interesses sociais
envolvidos na guerra de canudos. Observamos o modo singelo como ele retrata o
sertão, com a sua crueza e olhar de biólogo, geólogo e historiador. O estilo de
Os sertões é conflituoso, angustiado, torturado. Dá a impressão de sofrimento e
luta. O autor faz uso de muitas figuras de linguagem, às vezes omite as
conjunções, outras repete-as reiteradamente. Ocorre, com frequência, a mistura
de termos de alta erudição tecno-científica com regionalismos populares e
neologismos do próprio autor.
Como contribuição às ciências sociais, encontra-se nesta
obra de Euclides da Cunha a separação da nação brasileira entre os povos
litorâneos e os interioranos. A compreensão de cada uma dessas partes
permitiria a compreensão do país como um todo, uma vez que se tinha nas cidades
litorâneas polos de desenvolvimento político e econômico e no interior do país
condições de atraso econômico que subjugavam suas populações à fome e à
miserabilidade. No entanto, ao analisar os fatos ocorridos em Canudos, o autor
refuta a noção de que no litoral se encontrariam condições de avanço
civilizatório em oposição ao interior. Pelo contrário, aponta que tanto os
litorâneos quanto os interioranos, cada qual em suas especificidades, se
encontrariam em um estádio bárbaro de sociedade, bastava atentar para a
crueldade com que se reprimiu o movimento de Antônio Conselheiro. Além do que,
tanto uns quanto os outros eram dados ao fanatismo, fosse pela República de
Floriano Peixoto, fosse pela religiosidade de Conselheiro.
Esta sua noção de
estádios bárbaros e civilizados de sociedade estão em consonância a seu
pensamento evolucionista spenceriano. Também se alinha com isso sua metodologia
em compreender as singularidades de cada elemento separadamente para, enfim,
compreender o todo. No caso, buscou compreender as populações litorâneas e as
interioranas como elementos do Brasil como um todo.
3. BIBLIOGRAFIA
CUNHA, Euclides da. Os Sertões (Companhia de Canudos). 5ª
edição. Edições de Ouro, s/data. 520 páginas.
Wikipédia:
·
Os Sertões
·
Euclides da Cunha
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar seja sempre respeitoso à opinião do outro. Nem todo mundo pensa como você e a diversidade existe para isso. Exponha suas ideias sem ofender a crença ou a opinião de ninguém. Comentários com insultos ou discriminação de qualquer natureza serão excluídos.