Páginas: 240
Sinopse: Arthur aparece na casa de Clarissa como um parente do interior, quase desconhecido. Jovem problemático, tentou suicidar-se, foi internado e, agora, irá passar um ano letivo com seus tios e com a prima de 11 anos. O primo desajustado vai mostrando, no seu tom monocórdio uma crescente humanidade em relação à Clarissa. Compartem da mesma solidão, num medo, talvez, de perder-se, de diluir-se, sem que ninguém os veja.
Como uma aspirante a autora nacional (mesmo que saiba que o Brasil não dá o menor crédito para os próprios autores) decidi ler um pouco mais do que é consumido dentro de casa, comecei com Raimundo Carrero, um autor que ha muito queria ler e, em minha segunda visita à biblioteca do SESC, acabei me deparando com Quiçá, segundo livro dessa mulher a ganhar o Prêmio SESC de Literatura que eu participo todo ano e agora finalmente entendi porque nunca ganhei.
Não sou das entendidas de literatura, mas posso afirmar que Quiçá foi escrito com o principal intuito de incomodar o leitor e, não necessariamente, de uma maneira "boa". Já vou dar a entender o motivo, antes, falemos um pouco do enredo central do livro, digo central porque, por vezes, a autora foge completamente do texto para contar um momento aleatório em alguma parte do mundo. A história vai girar em torno de Clarissa e Arthur, a primeira faz aquele estilo de "pobre menina rica" cujos pais workaholic não dão atenção, mas compensam a ausência com luxo. Ela tem onze anos, é solitária, vive para os estudos e o gato de estimação. Porém, sua vida está prestes a mudar quando Arthur, o primo do interior, vem morar em seu apartamento pelo período de um ano. Garoto problemático, tentou se suicidar e falhou, estava em uma clínica psiquiátrica, era filho da tia Cristina, que não estava preparada para ser mãe. O pai, bem, ninguém sabia.
Clarissa não gosta da presença de Arthur. Ele cheira a suor e cigarro e escruta música alta todas as noites sem deixar ela dormir. Ele tem tatuagens e fala palavrões. Mas Arthur gosta de Clarissa e se preocupa com ela, com a vida que ela não vive, com os amigos que não tem, com a atenção que não recebe. Ele, que já tentou pôr fim à própria vida sabe a importância de aproveitar o que não tem volta.A convivência aproxima os dois, é Arthur que está nos recitais de piano, nas reuniões de pais, nas consultas médicas, nas idas ao veterinário com o gato, nas aulas que ele ensina Clarissa a matar. Parafraseando a autora: "Clarissa não gostava, mas gostava."
E é isso gente. Esse é o enredo do livro todo. Contudo, apesar de parecer até bonitinho e tudo mais, na prática não é bem assim, sem contar que mesmo sendo um enredo bem simples ele não é raso, há profundidade nos temas que são abordados, ainda que não haja muita lírica na forma como são apresentados para nós. Uma das primeiras coisas que quero dizer desse livro é que a autora usa muitos recursos estilísticos juntos o que acaba cansando um pouco a gente como, por exemplo, escolher uma palavra ou expressão e repeti-la a cada começo da sentença seguinte "o carro vibra, os pais conversam, barulho da estrada...O carro vibra, barulho da estrada", ou colocar um monte de complemento em sequência "[...] levava Clarissa para a casa de amigos, que falavam palavrões, que jogavam videogames violentos, que ensinavam Clarissa a jogar videogames violentos, que comiam salgadinhos, que bebiam álcool, que..., que..., que..."; e outro é colocar hífen entre as palavras de uma frase para que ela reproduza o modo como falamos "cada vez mais onde-é-que-tá-minha-bolsa". Esses são só alguns exemplos! O mais irritante, contudo, foi a televisão. Sempre que ela se referia ao aparelho usava Full HD, conexão à Internet, com 3D, 52 polegadas, se a palavra Televisão for repetida 1150 vezes no texto, ela terá 1150 vezes essa expressão entre parênteses.
Okay, a ideia é passar o nível de consumismo dos pais de Clarissa, que é reforçada em outros trechos semelhantes como o tapete, a mesa de centro, a poltrona de panda ou outro detalhe do apartamento de luxo deles. Mas cansa. Muito! Acho muito válida a forma de demonstrar o descaso real com a depressão e o suicídio que ocorrem nas sociedades do mundo inteiro, as desigualdades e o exacerbado consumismo vazio que visa erroneamente preencher lacunas existenciais dentro das pessoas que, verdade seja dita, não sabem viver. Entretanto, o modo como esses temas são escritos na narrativa mostram-se muito crus (para não usar ocos porque não cabe), na verdade a narrativa dela é muito crua, seca, fria, coisa que pode não agradar a leitores que preferem livros mais poéticos ou com uma linguagem mais lapidada.
O tempo no livro também não é linear, o que pode se tornar muito confuso para separar o presente do passado uma vez que não há qualquer divisão entre um e outro, é tudo junto no mesmo texto para, talvez, exigir maior atenção do leitor em divisar o que está acontecendo no almoço em família (presente) com o que aconteceu desde que Arthur foi morar na casa de Clarissa (passado) e mesmo esse passado é contado de modo não cronológico o que nos obriga a montar a história por nós mesmos. Entre os capítulos há passagens, citações ou minicontos que refletem a decadência social e humana ou propõem uma reflexão sobre a morte. Contudo, há também algumas coisas totalmente deslocadas do contexto central, como, por exemplo "Precisa-se de chapista." (???). Com o perdão da ignorância, mas tanto esse quanto aquele número de telefone nos entre capítulos não soaram nem um pouco lógicos para mim.
A impressão que tive quando terminei de ler foi que ela se empenhou tanto em abarcar tudo de errado no mundo que acabou construindo algo "moderno demais", daquele tipo de literatura que poucos entendem e quase ninguém gosta até virar moda entre todos os autores de ficção contemporânea. Além de que, a insistência em tornar os personagens verossímeis acabou culminando em personagens que não cativam e não conversam com o leitor, pelo menos foi o que aconteceu comigo. A narrativa em si não gerou impacto, a história não me cativou, Arthur é o estereótipo do adolescente rebelde que, pela ausência de afetividade, não liga para a vida, para os estudos, carpen dien. Clarissa foi um pouco melhor construída, mas tinha atitudes, postura e linguagem, muitas vezes, maduras demais para uma menina de onze anos.
Entenda, não estou dizendo que o livro é ruim. Não é. Estou apontando o que não funcionou pra mim enquanto leitora. Ela tem sim o mérito de ter construído algo que, apesar de talvez não ter sido bem compreendido por mim, foi louvado pelos renomados críticos avaliadores de um prêmio como o SESC, de modo que é sim, uma leitura válida, tanto que ela é considerada uma das autoras contemporâneas brasileiras mais "brilhantes". Quem sabe seja um livro para leitores mais experientes, quiçá eu o tenha pego em um momento errado. Não sei, apenas não funcionou comigo. Não me despertou o desejo de conhecer outros livros dessa autora.
Ando bem sem sorte nas escolhas nacionais esse período. O primeiro livro que peguei após O Senhor dos Sonhos foi "O preço de uma lição" que acabei abandonando por simplesmente não conseguir engolir as personagens rasas e o enredo desinteressante. Voltarei a ele em outro momento para ver se desce. Agora, vou me enveredar pelo comentadíssimo Nova Jaguaruara e ver por mim mesma se é merecedor do hype que o cerca. E continuarei buscando outros autores nacionais para ler e ver o que está sendo criado aqui, tem muita coisa interessante sendo feita em casa, gente, vamos procurar mais, valorizar mais, ajudar mais.
Então, vou ficando por aqui, até o próximo post!
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