Data da primeira publicação: 1984
Autor: Milan Kundera
País de Publicação: França (mas em idioma tcheco)
Gêneros: Romance filosófico
Páginas: 393
Sinopse: A história acontece em Praga e em Zurique, em 1968, e atravessa algumas décadas. Narra os amores e os desamores de quatro pessoas: Tomás, Teresa, Sabina e Franz. É permeada pela invasão russa à Tchecoslováquia e pelo clima de tensão política que pairava em Praga naqueles dias.
Segunda resenha de 2019 e eu ainda não sei como começar a falar desse livro. Me interessei por A Insustentável Leveza do Ser após ver comentários muito positivos sobre ele de uma das minhas "amigas" do site (coloquei entre aspas porque não conheço a menina, somos amigas no site, mas não mantemos contato). Achei os comentários dela interessantes e fui procurar o livro para ler e ele sequer estava na minha lista de leituras programadas para o mês ou para o ano.
"(...) só se tem uma vida que não pode ser comprada com vidas anteriores nem retificada em vidas posteriores. (...) Tudo se vive imediatamente pela primeira vez sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que vale a vida se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida?"
Antes de mais nada, quero dizer que li a tradução portuguesa desse livro e, como já estava uns bons seis capítulos até me dar conta de que ele não estava escrito em uma linguagem muito culta, mas no potuguês de Portugal, não procurei por outra tradução de modo que, tudo que vou falar aqui diz respeito a edição que li com essa tradução (que está com essa capa da foto, mas não posso ter certeza se é mesmo ela), então os nomes de alguns personagens, paginação (eu li em ebook) ou acontecimentos pode destoar de outras edições.
Bem, A Insustentável leveza do ser vai apresentar dois casais: Tomas e Tereza, Sabina e Franz. A primeira parte do livro foca em contextualizar esses quatro personagens na Praga ocupada pela Rússia e, também, contando sua trajetória até ali acredito que com o intuito de nos fazer justificar suas ações ao longo do romance. Uma das coisas mais interessantes nele é que o autor conversa com a gente enquanto conta a história. Sério, ele simplesmente para de contar a história para conversar, seja sobre alguma questão que vai justificar/reforçar uma atitude ou momento da vida dos personagens, seja para nos levar a pensar sobre alguma questão.
Eu realmente não me acho na capacidade de expressar o que é A Insustentável Leveza do Ser, porque ele não é aquele tipo de livro para ser explicado, é para ser sentido e pensado. Nós temos quatro personagens complexas e muito reais, vivendo em um período conturbado e tentando encontrar aquilo que lhes falta no cerne. Tomas é um homem que aprecia, mais que qualquer coisa, a liberdade, ele é um médico acostumado a ter muitas amantes, fora casado uma vez e tivera um filho que abandonara quando deixara a esposa coisa que revoltara seus pais que cortaram todos os laços com ele, ficando ao lado da nora. Contudo, Tomas não sentia nada mais que o frescor da liberdade ao se ver livre das amarras familiares. Ele passeia pela vida pulando de uma amante para outra, tem um envolvimento com Sabina, mas é aquele tipo de relação puramente sexual. Quando Tereza aparece na sua vida, Tomas é dominado pelo sentimento que, até um certo ponto, seria considerado amor, mas isso dependeria muito do que cada pessoa entende por amor e Kundera aproveita isso muito bem para levantar questionamentos sobre os relacionamentos.
Teresa é uma garota perdida na vida. Ela cresceu em uma família complicada e, desde já muito pequena descobre-se a causadora dos infortúnios de sua mãe desequilibrada que enxerga na maternidade o fim da sua vida. Isso reflete na personagem que luta pela aceitação da genitora e percebe que mesmo que se permita ser usada, nunca será para ela mais que um mero objeto de sua satisfação. Tanto que mesmo percebendo que o infiel marido tem olhos para a filha, permitiria a ele violentá-la se assim o desejasse, uma vez que, para ela, o corpo feminino era igual em todas e servia apenas como um instrumento. Essa instabilidade na qual cresceu tornara Tereza uma mulher também instável, cheia de complexos e inseguranças o que, ao encontrar Tomas - e apaixonar-se praticamente à primeira vista - coloca nele todas as suas esperanças, apoiando-se nele como um náufrago perdido à deriva que encontra algo em que se sustentar. E ela é dependente dele emocionalmente de uma maneira que irrita muito, mas quando entendemos o contexto dela apesar de irritados conseguimos entender.
Sabina é uma artista plástica que saiu de casa cedo. Bem resolvida, ela vive da sua arte e tem opiniões bem próprias sobre a vida e as pessoas. É uma personagem que vive sob a autoimposta solidão uma vez que não quer vínculos de nenhum aspecto - afetivos, territoriais, culturais, sociais, etc. - com ninguém e, com sua sensibilidade artística, tem horror à feiura que se alastra pela sociedade (e aqui refere-se não somente à feiura estética, mas, sobretudo, à intelectual.) É uma das amantes de Tomas e se envolve com ele justamente por ele representar uma personificação dos seus ideais de liberdade, um homem que não se prende a emoções (pelo menos até conhecer Tereza), tanto é que a partir do momento em que ela percebe que ele se apegou a Tereza de uma maneira profunda (e eu não diria profunda, mas me escapa uma palavra que encaixe melhor) perde um pouco do encanto por ele. Ela funciona no livro como a idealização da ideia de que perseguimos um objetivo para nossa existência ao mesmo tempo em que somos absolutamente cegos a este objetivo.
Franz é o quarto personagem, um professor casado com uma mulher fúril e frívola. O interessante em Franz é que apesar de se envolver com Sabina, os dois são pólos opostos. Ele é um apreciador de música, um homem em busca do verdadeiro amor e da estabilidade que ele representa, além de ser alguém que deseja, no íntimo do seu cerne, alcançar a aventura da glória. Seu sentimento por Sabina, na verdade, é uma espécie de idolatria ilusória, ele ama o que idealiza nela e não o que ela realmente é, mas só vem a perceber isso quando ela vai embora. Quando ele alcança o peso da sua liberdade e, tarde demais, o que significa de fato amar uma pessoa (em termos individuais, claro). Do mesmo modo, sua mulher Marie Claude, é o retrato da mulher que vive de aparências e se molda aos olhares dos demais.
É nessa primeira parte do livro, focada em Tomas e Tereza, que Kundera conceitua peso e leveza à luz da filosofia de Parmênides que dizia serem as trevas são a ausência de luz, a não-luz, do mesmo modo que o frio é a ausência de calor e não o frio propriamente dito. Para Parmênides, entretanto, ao contrário do que o pensamento lógico-formal com o qual estamos habituados nos faria supor, a problemática da dualidade leveza/peso revela o peso como ausência, como não-leveza. Kundera, contudo, apresenta a teoria da leveza em um ângulo mais existencial, apoiado no sentido de liberdade humana que flerta com o existencialismo e, usando seus personagens como exemplos, sugere reflexões acerca do amor, do sentido da existência, da liberdade e da existência ou não daquilo que seria um acaso.
Na segunda parte do livro, focada em Sabina e Franz, é discutida, sob a luz de Nietzsche a teoria do eterno retorno, eu nem posso falar muito dessas partes muito mais voltadas pra filosofia e o livro é praticamente todo embasado nela. E, se não me atrevo a discorrer sobre, é porque me falta repertório para construir uma resenha que exprima bem as ideias do autor de acordo com sua própria base. Dizendo de forma simples, essa parte do livro retrata uma realidade muito atual nossa e que deveria ser mais discutida: uma vida que desaparece não tem o menor sentido. Ele usa a teoria de Nietzsche para retratar a ideia de que, ao mesmo tempo em que vivemos um ciclo vicioso de repetições que nos aprisionam, somos suprimidos pela linearidade de uma vida "pré-projetada" e simplista que no fim não leva a lugar nenhum e desaparece em um fôlego. Sabina busca um sentido para sua existência, ela representa na história alguém que alcança a insustentável leveza do ser, enquanto Franz, lutando para ancorar-se em um amor moldado no idealismo, faz-se acreditar que aquela mulher é a resposta a todos os seus vazios.
O livro em si tem sete partes, mas pode-se dividi-lo em três e, nessa terceira, Kundera disserta sobre "merda" colocando no termo usado na edição que li, em seu sentido literal e metafórico, quando aborda as relações interpessoais das personagens contextualizando com períodos históricos específicos no qual o livro vai e volta. Além de discorrer sobre o conceito de "compaixão" chegando, inclusive, a analisá-lo em diversas raízes linguísticas. A metáfora utilizada para ilustrar a compaixão é a relação de Tomas com Teresa. É através da compaixão que ele sente ela consegue prender-se a ele em definitivo desde o primeiro momento.
Não há, portanto, razão nenhuma para censurar nos romances o seu fascínio pelos misteriosos cruzamentos do acaso, (...) mas há boas razões para censurar o homem por ser cego a esses acasos na sua vida cotidiana e assim privar a vida da sua dimensão de beleza.
Teresa é uma garota perdida na vida. Ela cresceu em uma família complicada e, desde já muito pequena descobre-se a causadora dos infortúnios de sua mãe desequilibrada que enxerga na maternidade o fim da sua vida. Isso reflete na personagem que luta pela aceitação da genitora e percebe que mesmo que se permita ser usada, nunca será para ela mais que um mero objeto de sua satisfação. Tanto que mesmo percebendo que o infiel marido tem olhos para a filha, permitiria a ele violentá-la se assim o desejasse, uma vez que, para ela, o corpo feminino era igual em todas e servia apenas como um instrumento. Essa instabilidade na qual cresceu tornara Tereza uma mulher também instável, cheia de complexos e inseguranças o que, ao encontrar Tomas - e apaixonar-se praticamente à primeira vista - coloca nele todas as suas esperanças, apoiando-se nele como um náufrago perdido à deriva que encontra algo em que se sustentar. E ela é dependente dele emocionalmente de uma maneira que irrita muito, mas quando entendemos o contexto dela apesar de irritados conseguimos entender.
Sabina é uma artista plástica que saiu de casa cedo. Bem resolvida, ela vive da sua arte e tem opiniões bem próprias sobre a vida e as pessoas. É uma personagem que vive sob a autoimposta solidão uma vez que não quer vínculos de nenhum aspecto - afetivos, territoriais, culturais, sociais, etc. - com ninguém e, com sua sensibilidade artística, tem horror à feiura que se alastra pela sociedade (e aqui refere-se não somente à feiura estética, mas, sobretudo, à intelectual.) É uma das amantes de Tomas e se envolve com ele justamente por ele representar uma personificação dos seus ideais de liberdade, um homem que não se prende a emoções (pelo menos até conhecer Tereza), tanto é que a partir do momento em que ela percebe que ele se apegou a Tereza de uma maneira profunda (e eu não diria profunda, mas me escapa uma palavra que encaixe melhor) perde um pouco do encanto por ele. Ela funciona no livro como a idealização da ideia de que perseguimos um objetivo para nossa existência ao mesmo tempo em que somos absolutamente cegos a este objetivo.
"(...) o universo não passa de um gigantesco campo de concentração de corpos idênticos com uma alma invisível."
Franz é o quarto personagem, um professor casado com uma mulher fúril e frívola. O interessante em Franz é que apesar de se envolver com Sabina, os dois são pólos opostos. Ele é um apreciador de música, um homem em busca do verdadeiro amor e da estabilidade que ele representa, além de ser alguém que deseja, no íntimo do seu cerne, alcançar a aventura da glória. Seu sentimento por Sabina, na verdade, é uma espécie de idolatria ilusória, ele ama o que idealiza nela e não o que ela realmente é, mas só vem a perceber isso quando ela vai embora. Quando ele alcança o peso da sua liberdade e, tarde demais, o que significa de fato amar uma pessoa (em termos individuais, claro). Do mesmo modo, sua mulher Marie Claude, é o retrato da mulher que vive de aparências e se molda aos olhares dos demais.
É nessa primeira parte do livro, focada em Tomas e Tereza, que Kundera conceitua peso e leveza à luz da filosofia de Parmênides que dizia serem as trevas são a ausência de luz, a não-luz, do mesmo modo que o frio é a ausência de calor e não o frio propriamente dito. Para Parmênides, entretanto, ao contrário do que o pensamento lógico-formal com o qual estamos habituados nos faria supor, a problemática da dualidade leveza/peso revela o peso como ausência, como não-leveza. Kundera, contudo, apresenta a teoria da leveza em um ângulo mais existencial, apoiado no sentido de liberdade humana que flerta com o existencialismo e, usando seus personagens como exemplos, sugere reflexões acerca do amor, do sentido da existência, da liberdade e da existência ou não daquilo que seria um acaso.
Na segunda parte do livro, focada em Sabina e Franz, é discutida, sob a luz de Nietzsche a teoria do eterno retorno, eu nem posso falar muito dessas partes muito mais voltadas pra filosofia e o livro é praticamente todo embasado nela. E, se não me atrevo a discorrer sobre, é porque me falta repertório para construir uma resenha que exprima bem as ideias do autor de acordo com sua própria base. Dizendo de forma simples, essa parte do livro retrata uma realidade muito atual nossa e que deveria ser mais discutida: uma vida que desaparece não tem o menor sentido. Ele usa a teoria de Nietzsche para retratar a ideia de que, ao mesmo tempo em que vivemos um ciclo vicioso de repetições que nos aprisionam, somos suprimidos pela linearidade de uma vida "pré-projetada" e simplista que no fim não leva a lugar nenhum e desaparece em um fôlego. Sabina busca um sentido para sua existência, ela representa na história alguém que alcança a insustentável leveza do ser, enquanto Franz, lutando para ancorar-se em um amor moldado no idealismo, faz-se acreditar que aquela mulher é a resposta a todos os seus vazios.
O livro em si tem sete partes, mas pode-se dividi-lo em três e, nessa terceira, Kundera disserta sobre "merda" colocando no termo usado na edição que li, em seu sentido literal e metafórico, quando aborda as relações interpessoais das personagens contextualizando com períodos históricos específicos no qual o livro vai e volta. Além de discorrer sobre o conceito de "compaixão" chegando, inclusive, a analisá-lo em diversas raízes linguísticas. A metáfora utilizada para ilustrar a compaixão é a relação de Tomas com Teresa. É através da compaixão que ele sente ela consegue prender-se a ele em definitivo desde o primeiro momento.
"Amar alguém por compaixão é de fato não amar essa pessoa."
Posso dizer que A Insustentável Leveza do Ser é uma verdadeira expressão do âmago do ser humano em suas complexidades e sua realidade, além de um convite à reflexões pertinentes e atemporais sobre as escolhas, as relações intra e interpessoais e a própria existência do homem. Isso tudo mostrado e explicado de maneira crua e deveras irônicas em algumas passagens, mas moldadas por uma graciosidade e um peso realmente dignos de nota. É uma leitura um pouco exigente, de modo que posso sim ter deixado muito coisa passar nesse primeiro contato com o livro, não somente por ter um baixo conhecimento de filosofia, mas por não ter absorvido a profundidade das interpretações que Kundera evoca em sua narrativa forte, erótica, filosófica e, por que não, crítica. Apesar de ser considerado um livro para maiores de dezoito anos, a edição portuguesa que eu li não tinha cenas explícitas de erotismo, elas ficavam sempre subtendidas no texto, ainda assim, fica aqui a ressalva de ser um livro adulto. Recomendo fortemente a leitura, é uma viagem fantástica ao comportamento humano e sua forma de agir e reagir no mundo.
Adaptação Cinematográfica
Em 1988 foi lançada a adaptação do livro nos cinemas americanos. Dirigido por Philip Kaufman e com roteiro de Jean Claude Carrière traz no elenco Daniel Day Lewis, Juliette Binoche, Lena Olin e Derek de Lint nos papéis principais. Gente, eu vi tanta crítica ruim desse filme que nem tive vontade de ir ver, principalmente porque, em se tratando de adaptações americanas, eu tinha uma quase certeza que o foco do filme seria voltado para o erotismo deixando de lado todas as questões que embasam a história e a profundidade das personagens em um contexto histórico conturbado e dentro de suas próprias psiques conturbadas. No fim, acabei não vendo, mas tem ele completo no youtube até onde me consta. Vou deixar também o trailer pra vocês verem. Já e já volto com a resenha do drama que finalizei e também um post com os filmes que vi recentemente.
Beijos e até o próximo post!
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