Autor: Edgar Allan Poe
Editora: Darkside
Gênero: Antologia, Terror, Mistério
Ano: 2017
Páginas: 384
Sinopse: Pela primeira vez numa edição nacional, os contos estão divididos em blocos temáticos que ajudam a visualizar a enorme abrangência da obra. A morte, narradores homicidas, mulheres imortais, aventuras, as histórias do detetive Auguste Dupin, personagem que serviu de inspiração para Sherlock Holmes.
O livro traz ainda o prefácio do poeta Charles Baudelaire, admirador confesso de Poe e o primeiro a traduzi-lo para o francês. E EDGAR ALLAN POE: MEDO CLÁSSICO apresenta ainda “O Corvo” na sua versão original, em inglês, além de reunir suas mais importantes traduções para o português: a de Machado de Assis (1883) e a de Fernando Pessoa (1924).
Minha segunda única caveirinha na estante haha. Esse livro, na verdade, foi mais uma revisita do que uma leitura propriamente dita. Em 2015 eu resenhei minha primeira antologia de Poe, Contos de Imaginação e Mistério que você pode ler aqui muitos dos contos dessa coleção da Darkside tinham nessa outra antologia, mas outros foram uma grata surpresa. Obviamente, conforme a gente vai amadurecendo e expandindo o leque de leituras, a cabeça com que revisitamos os autores, em especial os clássicos, é outra e isso faz toda a diferença numa leitura. Por isso, o olhar que tinha sobre Poe aos 25 não é o mesmo que tive agora, aos 29, quando passei a semana em sua companhia.
Espectro da Morte:
- O Poço e o Pêndulo - Em uma narrativa agonizante, nós acompanhamos o relato de um homem condenado à morte pela Inquisição, ele é jogado numa espécie de cela escura e, a princípio seus algozes pretendiam que ele caísse em um enorme poço, contudo, vendo suas tentativas falhadas amarram o homem numa estrutura para ser partido por um pêndulo afiado que desce vagarosamente. Poe nos envolve numa narrativa sinestésica que domina todos os nossos sentidos deixando-nos atordoados e presos não apenas na agonia do homem (provavelmente inocente do que lhe acusaram) que espera a morte sem quaisquer esperança de fuga, mas também nos convida a refletir sobre a crueldade humana e o fanatismo. Lembro que a primeira vez que li esse conto, quatro anos atrás, senti-me não apenas sufocada, mas com um alívio indescritível quando cheguei ao final haha. Um fato interessante sobre esse conto é que a música The Poet and the Pendulum da banda Nigthwish foi inspirada em parte por ele. Maravilhoso.
- A queda da Casa de Usher - Esse também tinha no outro livro. Aqui acompanhamos um homem que é convidado por seu amigo, cujo sobrenome é Usher, para passar uns dias com ele. Percebendo pela missiva que o amigo estava de alguma forma atordoado com uma enfermidade mental, o homem decide aceitar o convite e viaja até a propriedade sombria que logo de cara lhe intimida. Por serem amigos de longa data, durante sua estadia ele fica ciente da espécie de maldição que assola a família e é noticiado também da debilidade da irmã de seu amigo preso não apenas pelas supertições que cercam a casa e sua família, mas pela certeza da morte. Quando a irmã deste vem a falecer, somos levados por um verdadeiro redemoinho de loucura sombria onde realidade e insanidade se fundem em um desfecho tenebroso. Poe demonstra quão frágil é a mente humana, suscetível ao declínio fácil quando manipulada por algo que crê ser verídico.
- O Baile da Morte Vermelha - No outro livro, se bem me lembro, o título estava "a máscara da morte vermelha", nele, um príncipe vendo seu reino assolado por uma peste (que acredito se tratar de um surto de tuberculose) recolhe mil amigos e se tranca em uma fortaleza abandonando seu povo à própria sorte. Seguros lá dentro, eles se entregam a uma farra envolta em luxúria e esbanjar enquanto do lado de fora das muralhas o povo sofre com a morte e a fome. A fortaleza, feita de intricados cômodos fora do convencional tal qual seu dono, se torna um verdadeiro palco gigante de música e libertinagem até que um convidado inesperado surge trajando uma fantasia grotesca remetendo ao mal que se alastra do lado de fora. Mesmo com a ordem do príncipe, ninguém tem coragem de expulsar a criatura e a festa tem um fim sinistro. Nesse conto senti meio que uma crítica social ao descaso dos governantes o que, é claro, é muito pertinente. Também tem aquela sensação de que, cedo ou tarde, a justiça cai sobre aqueles que negligenciam seu dever.
Narradores Homicidas
- O gato Preto - Esse conto é uma mistura de loucura com terror, acredito que aqui o aspecto psicológico sobrepõe-se ao sobrenatural, ainda que de alguma forma os dois interajam na mente do leitor como, ambos, aceitáveis. A primeira vez que o li senti um misto de indignação e repúdio, mas essa segunda leitura me trouxe uma nova ótica que excede o horror dos atos praticados. Seguimos um homem apaixonado por animais que vive com a esposa que compartilha do seu amor pelos bichos e juntos eles criam vários animais. Entre esses pets, está um gato preto que figura entre os favoritos do homem. Porém, ele acaba se tornando um alcoólatra e, além da esposa, o pobre gatinho começa a ser o alvo de sua fúria cega partindo de torturas até finalmente matá-lo num acesso de raiva, o que ele não contava era que as consequências de seu crime teriam um preço bem alto. Quando li a primeira vez, o lado sobrenatural do conto me tomou com muito mais força, porém, nessa segunda leitura eu vi mais o lado da natureza humana cruel e entorpecida pelo álcool que revela sua verdadeira identidade. Até certo ponto, o homem sabia o que estava fazendo e, mesmo nos poucos debates internos que lhe afligiam em nenhum momento ele procurou deter-se de verdade. O preço disso, é claro, foi mais uma consequência de sua própria consciência autopunitiva que propriamente o sobrenatural.
- O barril de Amontillado - Esse é um conto sobre vingança. Quando o li a primeira vez confesso que não achei graça nele, talvez meu primeiro contato com Poe tenha acontecido na hora errada ou na fase errada, não sei. A tradução também ajuda muito a experiência de leitura para o bem e para o mal. O narrador-personagem rumina uma vingança contra um conhecido há anos, sabendo este que o outro é um conhecedor de vinhos, arquiteta um plano para atraí-lo até sua casa vendo que o outro está muito doente. Ele o leva pelos túneis úmidos de seu porão enquanto acompanha a piora do conhecido com total indiferença (e poderia dizer até certo prazer), quando chegam ao destino e o homem se percebe enganado já é tarde, acorrentado ele vê o outro emparedando-o vivo na certeza que a doença terminará de matá-lo. Apesar de o terror sobrenatural não ser tão apelativo aqui, a crueldade e ardil do homem, ao contrário, causa muito incômodo. Quão pesados são os grilhões da mágoa e como nos cegam transformando-se de incômodos em verdadeiros fardos.
- O coração delator - No outro livro o nome era "denunciador" e não delator, mas dá na mesma. Confesso que, dos três desse bloquinho, esse me causou mais a sensação de "WTF?" Gente, eu apenas não conseguia entender como a mente dessa criatura funcionava, juro. Só uma pessoa seriamente perturbada poderia pensar dessa maneira. Nesse conto, somos apresentados a um homem que cuida de um velhinho que tem catarata em um dos olhos, não é certo que eles tem algum parentesco (pelo menos não lembro se especifica), mas é certo que o sujeito tem uma fixação com o olho do velhinho e aquilo vai crescendo numa loucura desgovernada até que ele decide, por fim, assassiná-lo. Com a certeza que nunca seria pego, ele não contava que seria assombrado pelo coração do falecido. Te dizer que depois que li esse conto fiquei meio contemplativa, quer dizer, que nível de crueldade ou insanidade leva uma pessoa a matar outra porque simplesmente "não gosta do olho"? Gente... me deu um mal estar que nem a "vingança" conseguiu aplacar.
Detetive Dupin
- Os Assassinatos da Rua Morgue - Esse tinha no outro livro também e dizer, relê-lo me deixou com uma vontade incrível de rever Sherlock. Poe, pelo que li no prefácio, foi o pioneiro na criação da ficção dedutiva e, conforme vamos lendo, impossível não notar como Christie e Doyle beberam na fonte do mestre do horror. Aqui, Dupin se oferece para ajudar a polícia a resolver um caso brutal de assassinato de uma mãe e sua filha que foram mutiladas de maneira horrível e nada foi roubado de sua residência. Tudo dentro da casa estava trancado e testemunhas afirmavam terem ouvido duas vozes vindas do andar onde as mulheres foram encontradas. O que parecia aparentemente insolúvel, em especial dado a brutalidade com que as mulheres foram mortas, para Dupin se torna uma luz no fim do túnel quando o improvável assassino escapou de qualquer sinal da polícia. Apesar de ter ficado realmente vidrada durante toda a leitura e cada vez mais ávida com o desfecho, não pude evitar uma ponta de decepção e até mesmo incredulidade quando o assassino foi finalmente revelado. Mas vale muito a pena.
- O Mistério de Marie Rogêt - Esse foi, talvez, um dos que eu mais tive "problema" para ler. Se trata do sumiço de uma moça chamada Marie Rogêt que é encontrada dias depois afogada em um rio sem qualquer traço do motivo ou do assassino. Por ser uma jovem muito conhecida, todos os jornais da região falam sobre o assunto, e é através desses recortes que Dupin tece suas conjecturas a respeito do crime, contudo, talvez por não ter um modo de investigação direta com perseguição ao suspeito e tudo mais, o conto envereda por uma linha cem por cento lógica que se torna um pouco desconfortável para quem não tem costume de literatura policial desse nipe, foi o que aconteceu comigo nas duas vezes que li esse conto. Baseado em uma história real acontecida em Nova Iorque, apesar das deduções de Dupin, o caso acaba sem solução.
- A Carta Roubada - Esse conto é interessantíssimo haha. O super intendente procura o detetive para lhe contar sobre uma importante carta roubada de uma importante figura política por um opositor de reputação ruim. Enquanto narra para Dupin a natureza de sua busca minuciosa na casa do suspeito em que cada vão de porta e cadeira foi investigado com esmero, o detetive se diverte com a aparente ingenuidade do super intendente tão focado nos fatos e ignorante quanto a natureza do infrator. Achei bem divertido não apenas a maneira como o detetive obteve a carta, mas a cara do super intendente ao precisar pagar por ela. Dei umas boas risadas.
Mulheres Etéreas
- Berenice - Esse bloquinho trata de amores eternos, praticamente, que se transformam em uma obsessão insana que leva os homens a atitudes absurdas. Nesse primeiro conhecemos Egeu que se casou com sua prima Berenice, ele tinha uma condição mental instável que piorava continuamente. Então, Berenice ficou muito doente e ele começou a prestar uma atenção singular aos dentes da esposa, apreciando, inclusive, sua beleza deteriorada pela doença. Em tal condição fica com os dentes da esposa que sua loucura atinge o ápice em um desfecho sinistro.
- Ligeia - Esse conto tem muito do outro, na verdade, todos esses contos são bem parecidos, em especial pela temática. O homem se casa com Lady Ligeia, uma mulher de beleza e inteligência ímpares e ele era completamente devotado à esposa, apaixonado de modo cego e intenso, contudo, um dia a esposa fica gravemente doente e acaba por falecer. Adoecido pelo seu luto leva algum tempo até que ele consiga enfim casar-se novamente, mas seu coração continua fiel e apaixonado por sua esposa mortal, tal que não consegue fazer a atual esposa feliz, pois não consegue amá-la. Quando ela fica muito doente, algo realmente sinistro e sobrenatural acontece.
- Eleonora - Quando crianças, o personagem apaixonou-se por sua prima Eleonora e os dois, em consequência da doença dela, fizeram uma espécie de promessa de amor eterno que ele descumpriu alguns anos depois da morte dela ao se ver cego de paixão por outra mulher. A promessa de Eleonora se manteve fiel tal como sua garantia de que a parte dele seria cobrada posteriormente.
Esse bloquinho mexe mais com o romance sobrenatural, aqui tem quase uma obra ultrarromântica que faz alusão a beleza da donzela e ao amor eterno e melancólico do amado que fica após a morte dela. Apesar de admitir que sou uma romântica literária, não me surpreendi muito com o Poe romântico mesmo com a dose meio sombria kkkkk porém é inegável que cada conto ao seu modo traz não apenas muita coisa interessante, mas são verdadeiras aulas de escrita criativa e construção de personagem.
Espírito Aventureiro
- Manuscrito encontrado em uma garrafa - Um homem sai em um navio que acaba passando por uma tormenta poderosa e toda a tripulação, excetuando ele e outro passageiro, morrem. À deriva em alto mar por um tempo, eles enfrentam outra tormenta e um barco enorme surge na crista de uma onda gigantesca, esse barco cai sobre o navio deles e o homem acaba indo parar à bordo. O negócio é que ninguém nesse navio vê ele. Sim, isso mesmo, bizarríssimo. Ele pode andar entre os marujos, interagir com os objetos do navio, mas ninguém lá consegue vê-lo como se ele fosse um fantasma. Assim, ele decide escrever tudo que aconteceu e colocar dentro de garrafas que vai jogando em alto mar.
- O Escaravelho de Ouro - Esse conto é uma mistura de detetive com Indiana Jones haha. Um homem fica muito amigo de um ex rico chamado Willian Legrand. Esse homem, após perder toda a sua fortuna, refugiou-se numa ilha onde construiu uma cabana e dedicou-se a colecionar insetos que estudada com esmero. Um dia, em decorrência de uma visita sem avisar, ele acaba descobrindo que o amigo conseguiu um escaravelho muito raro que possivelmente ainda não fora catalogado, contudo, junto do bicho, seu amigo começa a mostrar sinais de insanidade e uma busca ao tesouro se desenrola com um desfecho surpreendente.
- Nunca aposte a cabeça com o diabo - Te confessar que esse foi um daqueles contos que parecem aquelas histórias de avó para a gente não fazer determinada coisa. O personagem principal tinha um amigo chamado Dammit, este por ter sido criado com um rigor desnecessário, cresceu com o juízo meio amassado se podemos dizer assim, tinha o hábito de apostar coisas, claro dentro de sua possibilidade uma vez que era muito pobre, e de suas apostas mais comuns costumada apostar "sua cabeça com o diabo" coisa que as pessoas em geral ignoravam. Até um dia que um velhinho estranho e coxo apareceu aceitando o desafio que ele fizera ao amigo, no qual apostou sua cabeça com o diabo que saltaria de uma catraca em uma ponte. Bem, digamos que o diabo ganhou a aposta.
O Corvo
Nesse bloquinho, Poe nos apresenta todo o seu processo criativo na construção do seu mais famoso poema e, conforme lia, ficava parecendo que estava lendo um manual de escrita criativa tão minucioso e claro é seu explanar sobre as veredas da construção literária. A seguir, vem o poema original em inglês, que nunca tinha lido, e duas traduções, uma de Machado de Assis, bem rebuscada e floreada como era a cara de sua época e sua literatura e outra de Fernando Pessoa, essa, ao meu ver, mantendo mais fidelidade ao texto original em si.
Ler Poe é fazer um mergulho na mente e natureza humana passeando por cada camada e mergulhando no seu interior frágil e por vezes perverso. Fica claro que o autor era um observador atento do comportamento humano e da sociedade de sua época, além de um estudioso das emoções que permeiam o coração humano e sabia aplicar isso com maestria em sua literatura de modo a nos impingir medo, desespero, descontrole e repúdio, além de incitar a reflexões muito válidas sobre o comportamento, as escolhas, a efemeridade da vida e a força dos sentimentos. Sem dúvida, seu legado continuará ainda por muitos séculos sendo atual, imortal e aterrador.
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