quinta-feira, 28 de junho de 2018

[Livro] A Guerra que salvou a minha vida

Título Original: The war that saved my life
Autor: Kimberly Brubaker Bradley
Ano: 2017
Páginas: 240
Gênero: Ficção histórica, guerra, drama

Sinopse: Ada tem dez anos (ao menos é o que ela acha). A menina nunca saiu de casa, para não envergonhar a mãe na frente dos outros. Da janela, vê o irmão brincar, correr, pular – coisas que qualquer criança sabe fazer. Qualquer criança que não tenha nascido com um “pé torto” como o seu. Trancada num apartamento, Ada cuida da casa e do irmão sozinha, além de ter que escapar dos maus-tratos diários que sofre da mãe. Ainda bem que há uma guerra se aproximando. Os possíveis bombardeios de Hitler são a oportunidade perfeita para Ada e o caçula Jamie deixarem Londres e partirem para o interior, em busca de uma vida melhor.

Ainda da série livros emprestados, terminei hoje  A Guerra que salvou minha vida, há um tempão tinha lido uma resenha dele em um blog literário por aí e ficara interessada em ler mesmo que fosse outro livro ambientado na segunda guerra. Esse é o quarto livro que leio com essa temática, se não estiver enganada. Não que eu goste, não gosto, mas ler a situação dessas pessoas por alguma razão faz a gente repensar e dar valor às coisas que temos e que, em geral, não paramos para nos imaginar sem ou mesmo de onde elas vêm.

Contudo, esse livro não é exatamente sobre a segunda guerra, é um livro mais sobre a construção da autoestima, da coragem de enfrentar nossos medos, sobre superar nossos limites e valorizar o que tem real importância. Em boa parte da leitura lembrei-me daqueles filmes de professor que faziam a gente assistir no magistério, com alunos complicados vencidos por um professor inspirado e carinhoso que procurava entender o contexto deles, like Escritores da Liberdade, de alguma forma, Ada é uma autora da própria liberdade e da liberdade do seu irmão mais novo.

Às vésperas da fase crítica da segunda guerra mundial, Ada vive com seu irmão Jamie e a Mãe em um apartamento fétido numa travessa de Londres. Ela tem um problema no pé que nasceu torto e não recebeu tratamento, por isso, a Mãe a despreza, deixando-a com sobras de comida e dizendo-lhe palavras cruéis todos os dias, maus tratos, sem prestar qualquer assistência à filha. Seu irmão Jamie é o único que lhe dá carinho de verdade, divide com ela a comida (apesar de Ada lhe dar sempre a maior parte) e conta tudo que ela não consegue ver da janela do apartamento, uma vez que a Mãe lhe proíbe de sair. Quando todas as crianças são evacuadas de Londres para o interior, ela não recebe permissão da Mãe para ir, esta só planejava embarcar Jamie e deixaria a menina sozinha, pois não se importava se ela morresse. Para não deixar o irmão sozinho, Ada aproveita que a mãe dorme o dia inteiro e, bem cedo, foge com o menino para a escola de onde partiriam para a estação.

Quando chegam no interior, ela recebe os olhares de desprezo das pessoas que lhes deixam sem um abrigo, uma das mulheres do exército inglês leva-os para a casa de uma jovem solteira carrancuda que, inicialmente, se recusa a aceitá-los. A verdade é que essa mulher, chamada Susan Smith, tem depressão desde a perda de sua melhor amiga, Becky, falecida anos antes, temendo negligenciar as crianças durante o período em que o luto pela melhor amiga volta. Contudo, acaba ficando com eles e, ao ver seu estado, percebe horrorizada que as crianças viviam, anteriormente, em uma guerra muito diferente das bombas, principalmente Ada que é arredia e sempre se encolhe quando ela se aproxima.

A convivência inicialmente não é nem um pouco fácil, apesar de Ada estar amando a sua nova vida, não precisa se esconder das pessoas, não precisa ficar trancada em casa e, sobretudo, pode montar Manteiga, o pônei de Becky. em contrapartida, Susan está apenas no início dos problemas para cuidar das crianças, quanto mais descobre sobre eles, mais sente que precisa dar tudo aquilo que mais precisam: amor e compreensão. Principalmente para Ada que sente nojo e vergonha de si mesma, as palavras da Mãe diariamente ecoando em sua mente, todavia, ela vai percebendo que Susan não tem vergonha dela, não a culpa por coisas que não são sua culpa, não a maltrata e só devolve suas malcriações com carinho e compreensão.

Ada aprende a ler, a escrever, aprende mais sobre o mundo e sobre si mesma, compreende que a vida é maior que o apartamento onde era trancada e que ela tem o direito de vivê-la com tudo que ela oferece. Enquanto Susan dá-se a chance de abrir-se para o novo, dia a dia vai superando a perda de Becky e percebe que a lembrança da amiga permanecerá para sempre independente de ela viver a vida ou não, abre-se para novas pessoas e sua vida isolada e triste de antes enche-se de ternura e amigos que a aquecem e se preocupam com ela. As crianças são salvas de uma vida de maus tratos e privações e Susan é salva de sua tristeza, no fim acho que é isso que resume o livro, as guerras diárias que vivemos, a guerra de Ada era sua mãe e esse é um ponto bacana do livro porque ela sempre se refere a ela como a Mãe indicando um distanciamento entre elas, claramente explicitando a ausência de afeto, com Susan inicialmente acontece a mesma coisa, porém conforme a mulher vai conquistando o afeto e o respeito da menina, aos poucos deixa de ser a senhorita Smith para ser Susan.

A guerra de Susan era sua própria mente. Ela não conseguia superar a morte da melhor amiga e, mais, a distância dos próprios pais que não aprovavam suas decisões, conforme a convivência com as crianças a fazia questionar sobre o modo como vivia ela passou a racionalizar acerca da sua vida e perceber que tinha direito à felicidade. Ada não precisava se esconder como Ane Frank por causa de sua origem e, ainda assim, vivia presa apenas por ser como era, sua mãe ao ser obrigada a lidar com uma maternidade que não queria e, logo, ver-se responsável por duas crianças que nunca pediu e um marido morto na guerra, descontava em Ada toda a sua frustração e o ódio que sentia da vida. Então, mesmo que não fosse uma judia na mira nazista, Ada era uma refugiada na mira do ódio da mãe.

As descobertas dela sobre o mundo que a cerca é o que dão esse toque sensível ao livro, percebemos o valor real das coisas, começamos a nos questionar sobre diversas verdades que construímos e desconstruímos ao longo da vida, aprendemos, sobretudo, o cerne de conceitos que ainda hoje são tão abstratos no coração das pessoas como solidariedade, amor, respeito, empatia, felicidade e liberdade. Mesmo que, ao contrário de muitas pessoas que o leram, eu não tenha chorado com ele, achei um livro maravilhoso que mostra o poder das palavras na vida de uma pessoa, principalmente uma criança, da força que o amor e paciência têm, da superação da maior guerra que enfrentamos todos os dias: a guerra contra nós mesmos. Mais que recomendado!

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