domingo, 4 de junho de 2017

A menina submersa: Memórias - Caitlín R. Kiernan

Título Original: The Drowning Girl
Ano: 2015
ISBN: 9788566636536
Páginas: 320 (físico)

Sinopse: A Menina Submersa: Memórias é um verdadeiro conto de fadas, uma história de fantasmas habitada por sereias e licantropos. Mas antes de tudo uma grande história de amor construída como um quebra-cabeça pós-moderno, uma viagem através do labirinto de uma crescente doença mental. Um romance repleto de camadas, mitos e mistério, beleza e horror, em um fluxo de arquétipos que desafiam a primazia do "real" sobre o "verdadeiro" e resultam em uma das mais poderosas fantasias dark dos últimos anos. Considerado uma "obra-prima do terror" da nova geração, o romance é repleto de elementos de realismo mágico e foi indicado a mais de cinco prêmios de literatura fantástica, e vencedor do importante Bram Stoker Awards 2013. 
O trabalho cuidadoso de Caitlín R. Kiernan é nos guiar pela mente de sua personagem India Morgan Phelps, ou Imp, uma menina que tem nos livros os grandes companheiros na luta contra seu histórico genético esquizofrênico e paranoico. Filha e neta de mulheres que buscaram o suicídio como única alternativa, Imp começa a escrever um livro de memórias para tentar reconstruir seus pensamentos e lutar contra o que seria "a maldição da família Phelps", além de buscar suas lembranças sobre a inusitada Eva Canning, sua relação com a namorada e consigo mesma, que evoca em muitos momentos a atmosfera de filmes como Azul é a Cor mais Quente (Palma de Ouro em Cannes, 2013) e Almas Gêmeas (1994), de Peter Jackson. 
Não se assuste: é um livro dentro de um livro, e a incoerência uma isca para uma viagem mais profunda, onde a autora se aproxima de grandes nomes como Edgar Allan Poe e HP Lovecraft, que enxergaram o terror em um universo simples e trivial - na rua ao lado ou nas plácidas águas escuras do rio que passa perto de casa -, e sabem que o medo real nos habita. Caitlín dialoga ainda com o universo insólito de artistas como P.G. Wodehouse, David Lynch e Tim Burton, e o enigmático personagem Sandman, de Neil Gaiman, com quem aliás, trabalhou, escrevendo The Dreaming, spin-off derivado da obra-prima de Gaiman. A Menina Submersa evoca também as obras de Lewis Carrol, Emily Dickinson e a Ofélia, de Hamlet, clássica peça de Shakespeare, além de referências diretas a artistas mulheres que deram um fim trágico à sua existência, como a escritora Virginia Woolf. 
Com uma narração intrigante, não-linear e uma prosa magnífica, Caitlín vai moldando a sua obsessiva personagem. Imp é uma narradora não-confiável e que testa o leitor durante toda a viagem, interrompe a si mesma, insere contos que escreveu, pedaços de poesia, descrições de quadros e referências a artistas reais e imaginários durante a narrativa. Ao fazer isso, a autora consegue criar algo inteiramente novo dentro do mundo do horror, da fantasia e do thriller psicológico. 

A menina submersa - quadro de Saltonstall
Esse é um daqueles livros que você pega e pensa "é pequeno, consigo terminar rapidinho", ledo engano, companheiros. Não é daqueles livros que vira a noite lendo e acaba fácil. Ao contrário, eu levei dias lendo e ainda teve coisa que não entrou direito. Já quero começar dizendo que a sinopse vende mais que a própria história. Tem quem ame esse livro, mas sinceramente foi uma das leituras mais confusas, cansativas e problemáticas que já tive, então se você está procurando aqui razões para ler esse livro pode ser que encontre mais razões para não ler. De todo modo, vou expor os fatos e falar da minha experiência de leitura e então você tira suas próprias conclusões.
A menina submersa é contada sob a perspectiva de India Morgan Phelps (Imp), uma jovem que sofre de esquizofrenia genética, doença que levou sua mãe, Rosemary e sua avó Caroline a tirarem a própria vida. Imp desenvolve uma narrativa confusa sobre estranhos acontecimentos que permearam sua vida no ano de 2008 (se me lembro bem) envolvendo uma mulher chamada Eva Cunning. Inicialmente ela ilustra a história contando um pouco da própria infância, do abandono do pai ao descobrir a doença da mãe que, mais tarde, veio a ser internada em uma clínica psiquiátrica, passando assim a morar com a avó, Caroline, que também tinha problemas, com a morte desta ela passa uma temporada com a tia, Elaine até atingir a maioridade e ir viver sozinha. 
Imp tem uma namorada chamada Abalyn (nome estranho, por sinal), uma garota transgênero (só a notinha para quem não conhece o termo, um menino que fez uma cirurgia de mudança de sexo) que vivia até então com uma outra garota que, falando de modo educado, dispensou-a. Imp a acolhe em casa sem nenhuma real intenção amorosa a princípio, mas as coisas acabam acontecendo. Esse talvez tenha sido um dos pontos de ter feito todo mundo fazer o maior auê com esse livro porque, ultimamente - e já peço desculpas pela sinceridade, mas é como penso - pôr casais homosexuais em qualquer coisa é motivo de aplausos e consideração. Desnecessário, só acho. Mas voltando, as duas assumem um relacionamento e Imp conta a Abalyn sobre sua doença e um pouco sobre sua infância, por um tempo as duas se dão muito bem apesar, inclusive, das excentricidades de Imp, mas tudo muda quando em um dia de Julho aparece a tal Eva Cunning.
Inicialmente, a narrativa é muito nublada, ela usa de ambiguidade e dispara que há duas Evas, a de julho e a de novembro. Aparentemente - e simbolicamente como vamos descobrir - uma delas é uma sereia e a outra um lobo. Toda essa fantasia que Imp monta e que é respaldada (segundo a própria autora) pela louca de Carrol em Alice, pela tenebrosa história de Elizabeth Short, a dália negra e tantas outras referências que são implicita ou explicitamente listadas ao longo do livro, somos levados por uma mente caótica e dividida entre a realidade e a fantasia. A história toda é muito ambígua, desconexa e metafórica, a coisa toda já começa no quadro que, de algum modo, desencadeia a história, no qual apesar de chamar de menina submersa a mulher pintada não está submersa. 
Durante vários capítulos somos levadas pelo relacionamento de Imp com Abalym que vai sendo torcido aos poucos quando Eva Cunning penetra os pensamentos de Imp e começa a manipular sua realidade, consequentemente a nossa, vem por aí uma tentativa de suicídio, um surto pela ausência dos medicamento, histórias reais misturando-se com contos folclóricos e você acaba sem saber o que está e o que não está acontecendo, a própria India põe em dúvida a credibilidade do seu relato alegando, inclusive, estar mentindo diversas vezes durante a narrativa. Isso torna a leitura muito chata as vezes porque você não pode confiar em nada do que ela está te contando. O livro quase todo é narrado em pedaços desconexos, ela começa contando uma coisa aí dá um giro de 180 graus falando da descoberta da farinha no Egito (um exemplo hipotético) para depois voltar ao assunto inicial (e muitas vezes nem volta!).
Fecunda Ratis - Albert Perreault
As únicas informações que temos certeza serem verídicas é que Imp é uma pintora, ela gosta muito de pintar, mas também escreve alguns contos. A mãe e a avó dela realmente se suicidaram e ela faz acompanhamento psiquiátrico com uma mulher chamada Olgivy. Ela realmente tem uma namorada chamada Abalyn. 
Admito que o jogo de metáforas e símbolos foi usado de modo inteligente no livro, histórias como Chapeuzinho Vermelho e A Pequena Seria foram mistificadas, torcidas, desmembradas e inseridas na história de maneira perturbadoramente original. O livro mescla e brinca muito com isso, levando você a um estado de loucura sombria junto com a personagem até que, em determinado momento, você começa a questionar quem das duas é louca, ela ou a autora (e não consegui responder isso). Outro ponto bastante peculiar é que Imp, enquanto datilografa, conversa consigo mesma dando, muitas vezes, a impressão de que é outra pessoa que está escrevendo e que ela não é real. No começo eu estranhei isso, pensei que ela fosse um fantasma possuindo alguém, pensei que ela poderia estar contando a história a outra pessoa, enfim, demora um pouco até você conseguir compreender a dinâmica do livro.
Algumas coisas são explicadas no desfecho, outras continuam sem resposta e, no fim, você acaba passível de interpretação acerca dos fatos narrados se são ou não verídicos (e eu cheguei a conclusão de que não). De um modo geral, apesar da jogada psicológica e da linguagem quase totalmente voltada a metáfora e ao simbolismo, eu não curti o livro, não foi nem perto do que eu achei que fosse e só vem a reforçar o que me aconteceu com Caixa de Pássaros e A Garota no Trem, se todo mundo gosta a possibilidade de eu detestar é mais alta. Durante toda a leitura precisei fazer algumas pesquisas para conseguir compreender melhor os fatos apresentados, alguns deles, descobri, são ficcionais por isso, uma dica que dou pra quem for tentar ler esse livro é: busque fontes. Essas peças que ela prega muitas vezes podem conduzir você a um entendimento errôneo do desfecho.

Atualizado:
Uma coisa que esqueci de mencionar foi a grande metáfora do livro envolvendo o primeiro quadro, o de Saltonstall. Vi resenhas e comentários de algumas pessoas dizendo que pensaram que Imp era a menina submersa e só então viram que se tratava do quadro. Na verdade, pelo meu entendimento, apesar do quadro há uma simbologia por trás disso, o quadro é apenas um viés físico dessa metáfora. Imp está sim submersa, ela submerge no seu mundo de fantasia enquanto tenta alcançar a realidade ao mesmo tempo em que é assombrada por ela. Essa é uma das grandes jogadas simbólicas de A Menina Submersa, enquanto cada elemento da história parece totalmente deslocado da realidade eles são, na verdade, uma representação do subconsciente de Imp e do modo como ela encara o que e quem lhe cerca.

Passagens que achei interessantes:

Suponho que passamos muito mais tempo pensando sobre nossos pensamentos que as pessoas sãs. 
Se o modo que eu pensava e via o mundo significava que eu era esquizofrênica, a loucura tinha começado bem antes da puberdade. 
Nenhuma história tem começo e nenhuma história tem fim. Começos e fins podem ser entendidos como algo que serve a um propósito, uma intenção momentânea e provisória, mas são, em sua natureza fundamental, arbitrários e existem apenas como uma ideia convenientemente humana. 
Eu nunca poderia ser uma escritora. Não uma escritora de verdade. É terrível demais ter pensamentos que se recusam a se transformar em frases. 
Nunca gostei de casas quietas. Elas sempre parecem estar esperando alguma coisa. 
 Todas essas palavras são cadáveres agora, cadáveres de mariposas e borboletas. Pardais em vidros com tampa.

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