domingo, 7 de janeiro de 2018

Desafio 365 Dia #7 Escreva uma história em primeira pessoa

Dia #7 Escreva uma história em primeira pessoa


BEM VINDO DE VOLTA!
Eu me habituara ao silêncio.
Por isso, quando girei a chave na fechadura do apartamento onde morava, estranhei ouvir o choro de Alice, quase como um prenúncio de que algo estava muito errado. Fechei a porta e avancei rapidamente para o quarto dela, no berço branco, mesmo com o móbile de bichinhos balançando, ela movia os bracinhos inquieta enquanto desabava em um pranto de cortar o coração. Lágrimas de compaixão brotaram em meus olhos enquanto, por um minuto, fiquei imóvel observando-a até finalmente pegar seu corpinho diminuto com cuidado nos braços e lhe afagar as costas.
Tudo bem, meu amor. Sussurrei mesmo sabendo que ela não entenderia minhas palavras. Papai está aqui.
Aos poucos, ela aquietou-se, o coraçãozinho batendo em um ritmo suave que eu podia sentir pulsar pelas suas costas, o calor do seu corpinho invadindo cada célula do meu corpo e preenchendo espaços que eu nem sabia que existiam. Ouvi um barulho vindo da cozinha e segui com Alice nos braços até lá, tinha certeza de que era Cristina, me perguntava o que ela fazia que não foi imediatamente ao quarto pegar a nossa filha e acalentá-la. Encontrei-a vestindo sua camisola de seda de sempre, os cabelos castanhos desgrenhados enquanto, com uma cara inchada pelo sono, testava a temperatura do leite na mão.
Imaginei que tinha chegado. Disse. A voz cansada e profundas olheiras escuras quando sorriu para mim. Ninguém consegue acalmá-la tão rápido, principalmente quando está com fome.
Estava dormindo? Inquiri mesmo que já soubesse a resposta.
Sim. Me senti indisposta de novo. Comentou.
Você deveria ver um médico, já disse. Adverti-a. Está cansada, amor, por que não vai deitar?
Deve ter razão. Concordou, por fim. Você cuida disso?
Claro. Sorri pegando a mamadeira que ela me oferecia.
            Segui com Alice para a sala enquanto Cristina voltava para o nosso quarto a fim de retomar o sono interrompido pelo choro da nossa filha. Alice sugava o leite com avidez, era tão tranquila e linda quando me olhava com aqueles pequenos olhinhos de avelã até, por fim, conseguir dormir e me lembrar do cansaço do meu corpo. Tentei não pensar muito, entrei no quarto sem fazer barulho e fui ao banheiro tomar banho, ignorei a dor intensa na minha cabeça, abri o armário do banheiro e tomei dois analgésicos antes de me aconchegar sob os lençóis, mesmo apesar do calor insuportável. O silêncio instaurou-se novamente, o mesmo silêncio com o qual eu me habituara a tanto tempo, como se não houvesse mais nada à minha volta, até mesmo a respiração de Cristina ia se tornando mais distante.
            Quando o despertador me acordou às oito horas do dia seguinte, desliguei-o rapidamente e percebi que já estava sozinho outra vez. Apressei-me em tomar um banho e trocar de roupa, não importava o que acontecesse, não podia chegar atrasado no trabalho. Passei pelo quarto de Alice e o berço estava vazio, fechei a porta do apartamento e desci as escadas para o térreo, topei com minha vizinha Adriana e cumprimentei-a rapidamente, peguei o carro no estacionamento do prédio e segui para o escritório de advocacia onde trabalhava. Apesar de estar cedo o calor já era grande, cumprimentei minha secretária e entrei na minha sala contemplando sobre a mesa a foto de Cristina e Alice no dia em que saímos do hospital, havia sido tirada por Geovana, minha sogra.
— Doutor Caio. — Minha secretária, Paula, deu duas leves batidas antes de aparecer por uma brecha na porta. — Sua sogra está na linha, devo dizer que está ocupado?
— Não, Paula, por favor, pode passar. — Massageei as têmporas antes de pegar o telefone. — Alô?
— Caio, filho, como você está? — A voz dela era trêmula e carinhosa.
— Estou bem, Geovana, e você?
— Vivendo como Deus quer. — Quase podia ver o sorriso em seu rosto. — Eu soube que você não está indo ver o doutor Fernando ultimamente.
— Não há mais necessidade disso... não vejo como ele possa ajudar em algo. — Disse tentando não soar tão irritado.
— Já faz um ano, filho, você também precisa superar.
            Na foto sobre minha mesa, Cristina tinha a cabeça baixa, os longos cabelos castanhos caíam sobre os seios e o pequeno embrulho que ela trazia nos braços. Nossa filha, Alice, nascida morta naquele dia. O velório aconteceu na casa de Geovana, pois nosso apartamento era muito pequeno, depois do enterro, minha esposa passou três dias sem falar ou comer nada, quando cheguei em casa do trabalho, uma semana depois, encontrei-a em um lago de sangue no banheiro de casa com os pulsos abertos em profundos cortes em formato de cruz, mesmo sendo levada ao hospital não havia mais nada a ser feito. O violento choque me deixou quase louco e passei a ver — a pedido de Geovana, um psiquiatra chamado Fernando, cujo consultório ficava próximo ao meu escritório de advocacia.
— Ainda está aí? — Perguntou ela do outro lado.
— Sim, tenho um cliente agora e preciso desligar. Obrigado, Geovana.
— Se cuide, Caio... Cristina gostaria disso.

            Quando cheguei em casa novamente, horas mais tarde, o silêncio tão conhecido se instalava em todo prédio. Era tarde, por volta de nove horas da noite, minha cabeça doía, fechei a porta do apartamento e segui o pequeno corredor a tempo de ver Cristina sentada na sala ninando Alice em seus braços e vestindo a mesma camisola de seda de sempre. 

2 comentários:

  1. E ainda diz que eu sou sinistra! Medinho... Certeza que a vizinha vai achar esse cara ai na banheira também!

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