País de Origem: Colômbia
Ano de publicação: 1994
Gênero: romance
páginas: 185
Sinopse: Em 1949, o então jovem repórter Gabriel García Márquez acompanha a remoção das criptas do convento histórico de Santa Clara, e o túmulo de uma menina o faz lembrar as lendas contadas por sua avó. Segundo ela, no Caribe, havia uma marquesinha que tinha uma “cabeleira que se arrastava como a cauda de um vestido de noiva”. Venerada por seus milagres, ela foi mordida por um cachorro e morreu de raiva. Seria ela ali enterrada? García Márquez conta a história da filha única de um marquês, criada no convívio de escravos e orixás, e um padre incumbido de exorcizar os demônios que se acredita terem possuído a pequena, cujos cabelos só seriam cortados em seu casamento.
Um marques mestiço. Uma mulher libertina. Uma filha não amada. Esse livro nos leva às partes mais profundas da subversão humana. Estava eu no sétimo período terminando de ler Drácula quando me questionaram se eu o havia achado, como muitos diziam, assustador. Confessei que o livro não me impressionara em nada, que havia lido outras narrativas muito mais assustadoras e que, no que concebia àquela leitura em particular, nada encontrara de verdadeiramente horripilante. Uma menina, então no oitavo, ouviu minha resposta e recomendou-me este livro assegurando-me ser "verdadeiramente assustador e inquietante" e até mesmo me garantira que me tiraria o sono. Bem, ou eu me tornei surpreendentemente corajosa ou ela é facilmente impressionável. Creio que depois que se lê um livro como O Pianista, você se torna, não diria insensível, mas preparado para o pior do ser humano, ainda que ele sempre insista em surpreendê-lo com uma perversidade ainda mais chocante a cada vez que você acha que ele não é capaz de piorar.
Nas entranhas da escravidão, o filho de um marquês negro que conseguiu fortuna a duro custo, aproveitava uma vida sem preocupações e nenhuma inclinação para coisas úteis quando se apaixona por uma mulher cuja sanidade fora questionada e o pai, para prevenir um escândalo em sua família, manda o filho para ser senhor de uma propriedade distante. Passadas as dores iniciais do amor interrompido, casa-se o marques a escolha do pai, porém, por melhor que fosse sua refinada esposa, prometeu ele não amá-la em nome do seu antigo amor, apenas tardiamente permitiu-se sentir por ela algo para, logo em seguida, perdê-la. Houve para ele, desacreditado, uma chance de reaver seu amor do passado, mas declinou desta ideia e acaba caindo nas graças de uma mulher de origens duvidosas descendente de índios que acaba engravidando, ele é então forçado a contrair matrimônio com ela e a partir daí inicia-se seu inferno. Sete meses mais tarde nasce Sierva María, desde pequena odiada pela mãe e vítima da indiferença do pai, é deixada para viver na senzala no meio dos escravos que a educam à sua maneira, Apenas quando a menina foi mordida por um cão raivoso foi que o pai deu-se, tardiamente, conta de sua presença, recolocando-a dentro de casa e tentando a dura penas tirar os modos animalescos que ela aprendera em meio aos negros.
Sierva María era uma menina rude, sem crenças definidas, encontrava-se em casa no meio daqueles que a criaram, falava suas línguas, seguia seus modos, fizera da mentira sua principal arma e de seus costumes uma veste. Era uma "branca" com sangue mulato. As notícias da mordida do cachorro chegou aos ouvidos do bispo depois que o marquês fez o possível para salvar a filha chamando de curandeiros exóticos à bruxas, foi então persuadido a mandar a menina para um convento na cidade, pois o "mal"que havia nela não era clínico, mas demoníaco. Frustrado e sem conhecimento, o homem cede e entrega a filha às clarissas, onde a menina é levada para uma espécie de cárcere e amarrada à cama. Um jovem padre (36 anos) é designado para uma sessão de exorcismos nela, inicialmente ao avaliar a garota ele conclui que ela não está possuída, mas assustada, compreende a negligência de seus pais e as raízes de sua criação, ao contrário da maioria das pessoas cegas e estúpidas da cidade ele insiste que a garota não tem nenhum tipo de mal, mas não é ouvido pelo bispo que insiste que a menina está usando de artifícios malignos para convencê-lo. Conforme ele vai se aproximando de Sierva María seus sentimentos se modificam (mano, eu achei isso meio pedófilo, a guria tinha 12 anos!) e, pasmem, eles ficam juntos, mas a relação é descoberta pelo bispo quando ele pega o padre se flagelando e a partir daí o destino dos dois estava selado.
O livro é um retrato do poder de uma sociedade alienada, dominada pelo fanatismo religioso e coagida pelo medo da igreja católica.
- Não há muita diferença em relação - feitiçarias dos negros - disse. - É pior ainda, porque os negros não vão além de sacrificar galos, ao passo que o Santo Ofício se compraz em esquartejar inocentes no potro ou assá-los vivos num espetáculo público (...) E se perdeu numa enumeração erudita de antigos autos-de-fé contra doentes mentais executados como energúmenos hereges, - Acho que matá-la seria mais cristão do que enterrá-la viva - concluiu. (página 48 ebook)
O médico, de nome Abrenúcio, fala com o marquês sobre a internação de Sierva no convento, sabendo ele que ela estava em um lugar chamado pavimento das mortas vivas (ou algo assim, não lembro). não tinha dúvidas de que os exorcismos a matariam e nesse ponto trazemos a tona um período delicado da fé cristã em que a igreja dona do poder executava coisas horríveis na sociedade instaurando o constante medo de um Deus que não pregou nada além de amor e compaixão. Vemos homens "da fé" dominados pela ganância, mentira, soberba e total falta do conhecimento verdadeiro da fé que deveriam viver, não é muito diferente da nossa sociedade, não concordam? Pela lei, depois de toda mostra da interferência religiosa na história, o estado deveria ser laico, mas é isso que estamos presenciando atualmente? E, acreditem, não é desmerecendo a fé protestante (há igrejas e igrejas), mas mesmo a despeito de toda mancha no passado da igreja católica - corrompida por homens fracos de fé e conhecimento - não pensem que a "bancada evangélica" vai fazer algo bom por esse país, Marco Feliciano e Bolsolixo estão aí como prova do quão frágil é a distorção de "fé e bons costumes". Silenciosamente, o Brasil está entrando novamente na ditadura civil e religiosa que logo sobrepujará toda e qualquer forma de pensamento racional que possa existir. E me assusta ver que grande parte de uma massa como essa, do livro, compactua com isso acreditando que isso é bom.
O bispo não era homem de visões celestiais, nem de milagres e flagelações. Seu reino era deste mundo. (página 50 ebook)
Temos um monte de pessoas estúpidas, acuadas, sem qualquer expectativa ou chance, presas a um destino do qual não acreditam conseguir escapar. Vitimadas pelo ódio, o preconceito, a intolerância e sufocados com as próprias verdades distorcidas nas quais acreditam. Apesar de o livro se passar em uma época antiga, se encaixa com uma quase perfeição à atualidade. O livro não é assustador, vemos a face humana em sua miséria mais comum, é quase como um alerta para procurarmos usar o conhecimento para o bem comum e, antes de mais nada, a buscar esse conhecimento, o conhecimento que nos livra dos grilhões que nos cegam, Uma igreja que prega o amor e a compaixão, mas é cega aos leprosos que vivem arrodeando a casa do bispo que nenhuma assistência lhes preza, freiras vivendo em um convento em que uns poucos seletos desfrutam da melhor cozinha enquanto a maioria come ração... pequenas grandes coisas que vemos, ainda hoje, se transformando em rotina à nossa volta.
— Mesmo que não estivesse possuída por nenhum demônio — disse —,esta pobre criança tem aqui o ambiente mais propício para ficar possuída. (página 54 ebook)
Quantos hoje não permanecem possuídos pela ignorância? Esse é provavelmente o demônio maior que atrai todos os outros, como o demônio do preconceito, do ódio, da intolerância. Temos uma nação estúpida que acredita naquilo que querem que ela acredite, e acabamos convencidos que estamos possuídos por demônios que outros têm de arrancar de nós quando o poder de exorcizá-los está dentro de nós mesmos. Eu conheço e acredito que muitos de vocês conhecem, muitas Siervas marías por aí, vitimadas pelo abandono, a ignorância completa e vivendo à margem não da sociedade, mas do poder do conhecimento que as transformaria em pessoas capazes de lutar e encontrar objetivos pelos quais viver.
Outros destaques:
Sim, Delaura havia estudado a fundo as atas, e achava que eram mais úteis para conhecer a mentalidade da abadessa que o estado de Sierva María. (página 60)
Atravessamos o mar oceano para impor a lei de Cristo, e o conseguimos nas missas, nas procissões, nas festas dos patronos, mas não nas almas. (página 67)
— Se o senhor conhece as fraquezas destes reinos, há de saber que as leis só são cumpridas durante uns três dias — disse. (página 79)
Disse que o amor era um sentimento contra a natureza, que condenava dois desconhecidos a uma dependência mesquinha e malsã, tanto mais efêmera quanto mais intensa. (página 94)
— Sempre acreditei que ele (Deus) leva em conta mais o amor do que a fé. (página 94)
Adaptação cinematográfica.
Data de lançamento: 9 de outubro de 2009 (mundial)
Direção: Hilda Hidalgo
Música composta por: Fidel Gamboa
Roteiro: Hilda Hidalgo
Como a maioria das adaptações de livro, essa não seria diferente e muita coisa foi cortada. Se você assistir o filme sem ler o livro vai ficar com algumas perguntas sem resposta. O foco do livro ficou no amor proibido entre o casal, claro que eles pareceram aumentar um pouco a idade da menina, embora ainda tenha ficado meio pedófilo de todo jeito. Não achei o filme legendado em canto nenhum, então assisti em espanhol mesmo, o cerne da relação deles é representada de forma razoável, mas muita coisa e muitos acontecimentos ainda assim foram omitidos, o início do filme, para quem não conhece o livro, pode parecer meio wtf? e bem pouco da vida de Sierva é mostrada antes do convento dando apenas uma noção beem leve do que acontecia com ela antes. Algumas personagens foram omitidas da narrativa, muitas cenas foram alteradas o que torna a adaptação bem aquém do livro, como normalmente acontece com todo filme baseado em livro. Achei as atuações bem fracas, não sei se é porque não estou acostumada com o cinema espanhol ou se é porque foi ruim mesmo, o final foi similar ao livro em parte apenas e teve aquela ultima cena que ficou meio no sense. Resumindo, para quem tem curiosidade sobre a obra pode ser uma apresentação bem parcial, mas o livro é muito mais completo e traz mensagens bem mais fortes que simplesmente um padre dividido entre o desejo e a fé ou uma garota indisciplinada que vive as emoções à flor da pele. Além do que, a relação de Sierva com o pai foi bem negligenciada nesse filme, no livro ocorre de uma forma um pouco melhor, do mesmo modo aconteceu com o padre, no livro a gente percebe alguma evolução da parte dela, no filme não é possível observar. Também não tenho ideia de porque cargas d'água vi em mais de um site esse filme como +18. Minha nota pra ele seria um 5,5.
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