quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Um tributo a quem se foi...

Mãe Lili
Hoje é um daqueles dias que você para e reflete o tempo... não importa quanto passe, a nossa lista de despedidas vai aumentando e não se torna mais fácil de aguentar. O fato de sabermos que esse é o destino de todo mundo não ameniza o peso de relembrar as pessoas que não podemos mais abraçar, ouvir a voz, contemplar o sorriso, sentir o carinho... especialmente quando pesa aquele sentimento de que você poderia ter sido melhor para aquelas pessoas, que você não deu tudo de si, não demonstrou amor o bastante ainda que soubesse que eles tinham certeza que vocês o amavam.
Não digo que hoje é dia de chorar os mortos, eles não precisam das nossas lágrimas, alguns a gente até já consegue falar e ver sem aquele nó na garganta, mas eu me pergunto: será que isso faz com que doa menos? Acho que não.
Sou incapaz de dizer a idade que eu tinha quando meu primeiro parente morreu, nem lembro mais o rosto dele, era meu tio favorito e se lembro bem de algo era da sua voz.. era bem rouca e aguda, ele tinha uma risada tão boa que a gente ria junto sem nem entender a piada. Ninguém sabe ao certo a causa da morte, ele trabalhava em outra cidade quando morreu, na época disseram que foi um remédio prescrito errado por um médico que não avaliou o que ele tinha. A segunda vez eu tinha 16 anos e perdi minha amada mãe Lili. Eu nem tenho palavras pra falar dela, fazem dez anos que ela se foi e sempre parece que foi ontem... acredito que a pior perda que podemos sofrer é a perda da nossa mãe. Mãe Lili era mãe das minhas madrinhas, ela me viu crescer de pertinho e eu a chamava de mãe, ela me ensinou o que eu sei sobre religião, amor, companheirismo,bondade e generosidade. Não apenas pra mim, mãe Lili era um exemplo pra todo mundo que teve a dádiva de conhecê-la. A última vez que a vi foi no meu aniversário de 15 anos, ainda me lembro dela elogiando o vatapá, ela adorou. Sempre que lembro disso me dá aquele nó na garganta de novo, é uma saudade que eu acho que não vai passar nunca... ela era verdadeiramente mãe pra mim, tal qual minha mãe biológica, me amava, às vezes penso, mais que os próprios filhos dela, nunca esquecia uma só data minha, era terna, paciente, generosa, tinha uma luz que nem a morte foi capaz de apagar e a morte não é cruel com quem vai, blogueiros, ela é cruel com quem fica. Minha mamãe Lili tinha um aneurisma no coração que a levou embora em maio de 2006... sem que eu sequer tivesse a chance de dizer que a amava pela última vez. Uma das coisas mais complicadas na morte é quando você fica com aquela sensação inútil de que não fez o bastante... como se adiantasse alguma coisa, não adianta se remoer depois que a pessoa se foi, seu arrependimento não vai servir de nada, mas nosso cérebro se recusa a entender isso, sempre.
David
A madrinha da minha irmã, tia Dilma, morreu uns anos depois. Ela chegou um dia na nossa casa trazendo exames de sangue que ela queria que mamãe visse antes de levar ao médico, me lembro que eu já estava no normal médio quando aconteceu, peguei o exame e vi o volume anormal de leucócitos, comentei com ela que havia mais leucócitos que hemáceas e que ela devia falar com o médico o mais rápido possível. Engraçado não é? Eu, uma estudante de colegial, descobrir que ela estava morrendo antes do médico e ainda assim não esperava aquilo. Acho que ninguém espera que alguém que você ama morra. Ela foi internada alguns meses depois, e o mais cômico é que os médicos não fizeram NADA. Ficavam dando soro, entubando, ministrando medicamentos, mas não davam o que ela realmente precisava: sangue. As plaquetas que ela precisava estavam para chegar ao meio dia, depois de bem três semanas de internação, às 11:40 ela faleceu por incompetência dos médicos desse lugar idiota. E se não fosse o bastante, seus últimos dias de vida foram de total decepção, a filha basicamente não pisava no hospital (ela afirmava que tinha "medo" de ir lá ¬¬' fala sério), o marido estava era desejando que ela morresse logo pra ficar com a mulher nojenta que ele colocou dentro de casa enquanto minha tia estava no hospital lutando pra viver. Fui visitá-la umas duas semanas antes de ela morrer... nunca me esqueci daquela imagem, ela estava tão magrinha, a pele fina como um papel, pálida, mal conseguia falar... era como se eu conseguisse ver a morte através do rosto dela. Não existe idade, religião, poder, nada diante da morte... na hora da dor somos todos crianças assustadas.
Então, em 2012, veio David. Assassinado pelo próprio progenitor. Tem uma página no meu blog dedicada a ele, então, se você me acompanha, sabe que não há nada que eu possa falar a respeito... pelo menos não sem me afogar em lágrimas. Quando alguém se muda, você fica triste, mas tem a possibilidade de trocar carta/email/skype whatever com essa pessoa, quer dizer, a distância causa saudade, mas não é o fim do mundo. Mas quando alguém morre... ah, meu chapa, é sim o fim do mundo. O fim do mundo que aquela pessoa construiu com você, o fim de um mundo que você conhecia, e mesmo que resquícios desse mundo permaneçam dentro de você algo morre na sua vida quando alguém que você ama se vai, como se a vida ficasse menor, como se uma parte de você desaparecesse também.
Vovô
Eu chorei quando olhei essa foto. Meu avô morava com a gente desde que eu era bem pequena... não havia como esquecer da risada dele, de como ele falava o filme todo quando a gente assistia Branca de Neve, ele trazia biscoito pra gente todo sábado... nossa... nem dá pra acreditar que ele não tá mais aqui, o vazio nessa casa é imenso, como se tivesse um buraco aqui dentro, em cada canto da casa tem uma memória dele, uma memória que a gente não vai apagar nunca. Meu avô morreu de câncer na próstata. Ele, assim como meu pai, não gostava de ir ao médico, tomava remédios e mais remédios por conta própria, já aos 91 voltou a fumar, e, mesmo morando com ele eu me pergunto como não vi que ele estava ficando velhinho e fraquinho... logo ele não podia mais subir as escadas, não queria mais comer... era um sacrifício pra fazer ele tomar banho até que ele passou muito mal e foi internado, tinha 92 anos... e meio que sempre que eu o visitava era como se soubesse que ele não ia voltar pra casa. Acho que a morte dele só se equipara com a de mãe Lili e, sinceramente, acho que perdê-lo foi ainda pior. Eu fui a pior neta que ele podia ter. Impaciente, mudava de humor direto, e mesmo que possa culpar a depressão e a ansiedade eu sei, dentro de mim, que isso era só parte do problema, eu é que sou ruim por dentro. Visitei meu avô umas duas vezes antes de ele morrer, se o golpe foi violento pra mim, foi ainda pior pra minha irmã que era ainda mais apegada a ele, ela ficou sem comer e, ainda pior: ficou calada. Foi o pior momento da minha vida. E, com a morte do meu avô criou-se uma espécie de câncer na minha família, a gente está incompleto até hoje, os anos entram e saem desde que ele se foi em 2013 e a gente simplesmente não desfruta. A gente não consegue aproveitar. Os finais de ano são quietos e vazios, os aniversários passam quase em branco e meu pai está pior que nunca. Descuidado, deprimido (e não quer se tratar de jeito nenhum), só fala em morrer.
Não fui ao velório de nenhum deles. Não participei de seus enterros. As últimas lembranças que tenho deles nem sempre são as melhores... mãe Lili estava radiante, lembro do seu último sorriso. Tia Dilma estava em um leito de hospital quase irreconhecível. David e eu tivemos um último encontro meio melancólico no qual ele me contou como as coisas na casa dele estavam difíceis... e como sentíamos a falta um do outro. Meu avô estava imóvel na cama do hospital, a pele quase transparente e tão tão magro que eu conseguia contar suas costelas olhando. Não conseguia falar direito, mal enxergava e, o que me faz sentir ainda pior, esqueceu todo mundo menos minha irmã, meu pai e eu. Nós éramos os únicos que ele reconhecia quando via. Eu o abracei, beijei sua cabecinha branca e disse que o amava... mas isso não vai apagar a pessoa horrível que eu sou. A neta muito melhor que eu podia ter sido, a filha mais presente e calorosa, a amiga mais dedicada, a sobrinha mais forte... a morte lembra isso pra gente, a valorizar cada abraço, cada sorriso, cada encontro, cada momento. Pode ser o último e aquilo vai perseguir você o resto da vida.

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