Primeiro a minha história:
Cenário
Estava
Jacob Martin à mesa naquela noite chuvosa sentindo o leve desconforto da
cadeira de madeira sobre sua coluna maltratada pela cifose. As gotículas de
chuva desciam como lágrimas pelo vidro embasado da pequena janela à sua frente,
o céu, de um escuro quase tenebroso, parecia um grande lençol de piche cobrindo
o mundo lentamente se desfazendo naquela tempestade que caía agora na pequena
pousada do vilarejo onde ele se instalara há alguns dias, no interior de
Massachussets.
Sobre a
mesa de madeira, a xícara com café fumegava e a vela, já pela metade, iluminava
precariamente o livro e os papéis à sua frente. Dando um suave suspiro ele
afrouxou o nó da gravata que usava se perguntando quanto tempo mais duraria
aquela tempestade. Recolocando os óculos para leitura ele tentou voltar sua
atenção aos afazeres que o levaram até ali onde o tempo parecia ter parado.
Segurando o lápis amarelo, com uma borracha ponteira um tanto gasta, ele tentou
fazer com que sua mente absorvesse alguma inspiração daquele cenário bucólico.
O
silêncio se estendia através da madrugada provocando uma calmaria deveras
inquietante, a chama da vela oscilava como se dançasse ao som da música da
tempestade, olhando um segundo para o lado ele fitou a pequena cama de madeira
forrada simplesmente com um lençol branco de algodão, dobrado na ponta formando
uma barra, e adornada com um travesseiro de mesma cor recostado à cabeceira
quadrada e lisa também mal iluminada pela vela sobre o criado mudo. Ainda se
perguntava como alguém conseguia viver em uma situação tão alheia à modernidade
até parar para pensar que aquilo a sua volta era o moderno. Voltando-se
novamente para a mesa ele analisou o livro fechado ao lado do candelabro,
direcionou sua atenção para o livro aberto passando os olhos por um dos
parágrafos como se conseguisse adormecer no âmago das palavras.
Jacob
Martin refugiara-se ali com um propósito: Sentir a vida dos antepassados,
sentir o clima de quem viveu em cidades como a famosa Salém, o clima rústico
que tanto fascinava sua mente, mas observando-o agora realmente indagava-se o
motivo de aquilo fascinar-lhe tanto. Achar aquela pousada que ainda mantinha
tradições de 1530 foi um desafio, um desafio que ele não esperava vencer.
Levantando-se por um momento caminhou ao redor do quarto ouvindo os sons ocos
dos seus passos sobre o piso de madeira, olhando os detalhes mínimos e calculados
daquele lugar imaginava se a vida seria menos complicada se todos ainda
vivessem daquela maneira, do campo, das orações, da vida recatada e cheia de
pudores moralistas. Talvez houvesse menos guerras, maldade, dor.
Afastou
os pensamentos. Não havia como mudar, o mundo evoluíra e continuaria evoluindo
sempre, pena que não sempre para o bem. Respirou fundo tomando um gole do café e
afrouxando a gravata e sentando-se novamente posicionou o lápis sobre a folha
em branco encarando a angustia das primeiras palavras que não vinham e aquele
sem dúvida era o mais difícil dos momentos: Começar. Olhou novamente pela
janela e fechou os olhos deixando sua mente viajar longe dali, ainda mais longe
de onde ele estava:
Flutuava sobre o ar, como um menino livre
que podia voar sobre tudo, o céu anil era o maior limite que sua mente poderia
levá-lo, os pássaros o acompanhavam com sorrisos francos e lá embaixo o pasto
parecia um enorme lençol verde. Jacob Martin fitou as mãos pequeninas e a roupa
de camponês no minúsculo corpo. Sorriu, como se estivesse vendo sua alma diante
de um espelho, de repente tudo ficou fácil, tudo clareou-se como um flash de um
relâmpago cortando o céu. Ele encontrara-se novamente. Voltara a ser criança.
Naquele
instante, como um fluxo de sangue pulsando em uma veia as idéias povoaram-lhe a
mente e o lápis começou a deslizar sobre a folha branca à sua frente com a
mesma suavidade dos passos de uma bailarina sobre um palco iluminado e as
palavras abriam asas voando livres em mundos de encanto, formando conceitos,
apresentando pessoas, criando mundos que adentravam naquele pequeno cenário
perdido na madrugada.
Esse foi o texto que eu criei pra minha amiga:
Nostalgia
Era tarde. Olhando novamente no relógio Maria Paula percebeu que era madrugada, as horas passaram tão depressa que ela nem percebera. Virando o rosto em direção do sofá ela fitou Alberto espalhado pelo sofá ressonando em um sono pesado que talvez nem o mais alto dos barulhos conseguisse despertar. Sorriu. Um leve suspiro e passou a mão pela testa suada, não estava com sono e desapontou-se um pouco por não ter muito mais a ser feito, trabalharam duro do dia anterior para este, a fim de que a mudança acontecesse o mais depressa possível, embora parte de Maria Paula não quisesse abandonar aquele lugar.
Levantando-se com cautela ela caminhou pela sala alcançando a porta e se direcionou às escadas que levariam ao andar superior onde haviam ainda algumas coisas para colocar dentro das caixas, coisas que fizeram parte da sua vida ali. Olhou a gravata sobre a cama junto ao terno que Alberto usara no seu casamento, um sorriso involuntário despontou-se em seus lábios enquanto os dedos percorriam a peça de seda de um azul marinho com listras brancas. Por um segundo ela relembrou-se do dia mais maravilhoso da sua vida, seus amigos sorridentes e chorosos que a acompanhavam com o olhar enquanto, no altar, vestido com pompa, Alberto a esperava.
Outro suspiro. Sobre o criado mudo estava o livro que ela começara a ler há algumas semanas, Crime e Castigo de Dostoièvisk. Ainda se acostumava com os nomes russos difíceis de ler e impronunciáveis aos seu ver, mas a essência da historia por algum motivo desconhecido a fascinava, pegando-o nas mãos, pensou que seria uma boa companhia durante a viagem de São Paulo até a Inglaterra. Pelo menos em parte do percurso. Quando Alberto recebeu a notícia da oportunidade ela não pode ficar mais feliz pela carreira profissional do marido, mas não esperava ter de sair do Brasil. Tudo bem... Pensou. Afinal sempre sonhara em conhecer Londres.
Dirigindo-se ao banheiro colocou em uma nécessaire as escovas de dentes e alguns outros pertences que já deveriam estar na mala. Parecia que cada parte da casa comunicava-se com ela, trazendo as lembranças como filmes, brigas, sorrisos, surpresas. Desceu novamente, sabia que precisava descansar, mas queria que tudo ficasse pronto logo e para garantir nada como uma boa xícara de café bem forte. Não precisava dormir agora, seriam muitas horas de viagem até a Inglaterra, teria tempo o bastante para descansar. Alberto ainda dormia profundamente, estava sobre uma pilha de roupas que ajudava a esposa a organizar. Os sapatos estavam espalhados pela sala, um em cada canto.
Maria Paula lacrou com a fita adesiva uma das caixas já pronta e cortou a fita com uma tesoura. Pegando um lápis ela escreveu na ficha de identificação o endereço de destino e os dados de pertencimento. Caminhou até a cozinha e colocou a cafeteira para trabalhar, lembrando-se que teria de empacotá-la também. O café desceu pela sua garganta como uma bola de fogo, mas era bom. Caso contrário ela certamente dormiria como o marido, sobre alguma coisa que estava arrumando. Certificou-se novamente que os armários estavam vazios e começou a percorrer a casa lentamente enquanto carregava consigo a xícara com café fumegante. Queria despedir-se da casa, encher a última caixa vazia lá dentro, enchê-la de lembranças, de saudades, de memórias, preencher completamente a caixa do seu coração.
E ai? O que acharam?
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